entre iguais

Instala-se súbito o mudo rugido do silêncio quando, entre iguais, se faz amor.
Ao sol a solidão é igual mas a atitude é diferente...
Encontrou-a vestida de cordas pela manhã como se fosse outra roupa qualquer. Supusera que partira à aventura, à descoberta dos caminhos da liberdade mas ela ali estava de cordas amarrada. Estranhas vestes que a marcavam e cobriam, cordas espessas, cegos nós, lais de guia. E perguntou-lhe porque não fugira. E ela disse-lhe que não há fuga, nem distância que consiga apartar os nós, verdade que há muito descobrira. E ele, que procurava negar essa verdade, chorou, soluçou. E as cordas molhadas de lágrimas tornavam-se ainda mais pesadas, cilícios de morte em vida. Um dia, véspera de outro dia qualquer, estas cordas serão pó, leves fios de enfeitar e nesse dia, precisamente, poderei nua, sem amarras, ver-te vir-me buscar.
Que a vida e a morte possam ser um galope, mar a dentro, mar a fora, até ao sem limite do universo, até sermos espuma fresca e leve. E de lá, espreitando a praia, vejamos as crianças a brincar e reconheçamos o passado e o futuro na tela azul do mundo. Que se transporte o vento, a música suave e sibilante, nos bolsos da imaginação, até vermos desgrenhados os cabelos da musa da velocidade, mais que o som, mais que a luz, o pensamento. E assim é só uma estrada em que nos vamos desvanecendo, vivendo e fenecendo, corpo, água e espuma simplesmente. Que seja a vida e a morte um percurso transparente, sem sinais que os do tempo, que se vira e revira até perder a força e o sentido. Um cavalo selvagem indomável, sem sela e sem arreios, que não ponhamos à vida os freios que supomos ver na morte, onda última que transpomos a galope.
Vamos falar com propriedade, vamos dizer que o namoro é andar de mão dada, passear juntos pela estrada e espreitar o mundo com olhos frescos. Vamos explicar que o namoro é "naíf", tem beijos, carícias e sorrisos, tem praias azuis e castelos imaginários nas bermas do tráfico e nos acordes antigos de músicas esfarrapadas. O namoro tem só imprevistos em dias inesperados, previamente agendados à socapa, tem jeito de fuga num breve café, na troca de colheres e de sabores e tem sonhos acordados só a dois. Todo feito de liberdade prisioneira, o namoro não tem fronteira, não tem antes nem depois, só agoras, só presentes, só tardes tão fugazes que se repetem constantemente e que se desejam capazes de durar eternamente. Tem suaves toques a receio, tem mínimas descobertas, tem o mundo inteiro feito de janelas abertas, tem fragrâncias de intimidade, tem amor pelo detalhe que se oferece embevecido, idioma descoberto, “meu amor”, “meu querido”, tem todas as palavras, tem todos os momentos, tem promessas, tem alentos. O namoro é em verso, é feito de poesia, rima com si próprio sem decoro enrubescido, é um intervalo perfeito, é um soneto colorido, o namoro é um beijo repetido, o namoro é um beijo repetido. 
Quantas vezes será necessário dizer-te que a magia do vôo não sou eu que te empresto? Mas não escolhas um qualquer caminho que as asas do flamingo são longas e esbeltas, certas para os amplos céus da Primavera, quando o cheiro das flores se mistura nas nuvens e nos corpos e a liberdade as sustenta, sem dúvidas, ou incertezas. Voar é-te inato. Nasceste pássaro de asas compridas e por vezes acontece perderes a fé quando as olhas incrédulo como se não te pertencessem. Recordo-te então os inúmeros vôos paralelos, quando voar era tão fácil como outra coisa qualquer. Essa é a verdade, a magia e a fé. No tempo certo saberás da unicidade do corpo, do coração e da liberdade. E aí, belo flamingo, poderás migrar.
O sentido estético além de pessoal é, pelo menos para mim ignorante na matéria, quase inexplicável. Tenho uma certa tendência para a simetria que creio estar associada à minha afamada preguiça. Para não me deter muito nos arranjos domésticos opto com naturalidade pela estética simétrica. Vela de um lado, vela do outro; boneco de um lado, boneco do outro, forma razoável de não ferir muito o meu sentido estético e, sobretudo, de não perder muito tempo em hipóteses mais elaboradas ou sofisticadas mas porventura mais originais e arrojadas.

Cor só pela cor. Rosas e verdes. Embriaguez não etílica em doses reforçadas e forçadas de alegria. Preciso desta terapia de luz. Como preciso da mão amiga. Dou-lhe o valor que outros deram à minha. Já quase deixei de me censurar. Estou assim convalescente. Que quem convalesce não recusa o remédio que lhe dá a cura. Não questiona quando o toma sobre a doença em que se poderá tornar. Olha-se a cor e a mão que nos estendem e fecha-se o horizonte à expectativa imediata do tempo.
De que me serve ser felina no deserto, sem o som dos teus passos pelas dunas, afagando os silêncios com palavras, afastando os fantasmas com sorrisos, construindo no meu corpo paraísos.