quinta-feira, agosto 25, 2016

ao jantar

Arroz de ervilhas em refogado de cebola e alho. Um toque de goma na correria malandra pelo prato. Tocam-se os garfos, cruzam-se as facas e os propósitos. Enrolam-se os guardanapos e entrelaçam-se os silêncios. Sabes de tudo e eu sei de ti. Brindamos sem palavras à nossa saúde, ao nosso amor. Em como sou feliz desde o dia em que deitaste na minha cama e sem projectos construímos de momentos o nosso enlace. Pensámos nos filhos, na minha, nos teus, todos nossos, conquista arrojada de uma união singular, de uma simplicidade despojada de medos. Verdades acessíveis a quem ousa acreditar. Tu levantas a mesa, eu ponho os pratos na máquina de lavar. Sem escala de tarefas, sombra da minha sombra, luz da minha luz. Braços fortes, peito robusto, olhos meigos, constante da minha equação.
- Gostaste do jantar? - perguntei.
- Estava muito bom - disseste.

quarta-feira, agosto 24, 2016

filha adolescente

Toda a magia. A branca, a negra a rosa? Cobrir-te-ia de um manto transparente e caminharias segura por entre os escolhos. Deixo-te ir vestida de jeans, simplesmente. Uma blusa leve de verão e os olhos azuis. Digo-te adeus, até logo, já tenho saudades. Que dizer deste estado de maternidade permanente? E para que não te pese e sigas indiferente, fico eu encolhida nos meus temores. Falo de ti a alguma gente e mostro os retratos de como eras, de como és, de como te vejo, princesa deste meu reino, arquétipo da minha razão, razão, sentido e rumo. A minha força, o meu calcanhar de Aquiles magoado, o meu final de dia, o meu amanhecer. Quisera ter-te clonado. Parar o tempo e admirar-te eternamente. E penso, fugazmente, que a vaidade é pecado capital, que não te faria em nada diferente porque és, aos meus olhos, a perfeição.

quinta-feira, agosto 18, 2016

notas ao universo

Se fizermos do universo uma guitarra e do tempo cordas de nylon, vibrantes; supondo que a vida é uma melodia e o espírito o seu refrão. A memória é apenas uma ilusão do que julgámos presenciar.
A realidade uma pauta amarelecida que repetimos até saber de cor.
Os nossos corpos são conchas perecíveis e os reencontros inevitabilidades. A morte é a pausa longa de uma breve, silêncio, recomeço.
Não há tempo, espaço ou verdade. Somos o que Alguém nos faz tocar.