quinta-feira, novembro 22, 2007

dicas

Enquanto me decidia sobre a cor que aplicaria como fundo na minha tela, o telefone tocou. Uma voz longínqua, entrecortada pelos ruídos de uma má ligação, disse: amarelo! - Face ao insólito não me atrevi sequer a responder. Desliguei e segui a ordem recebida. Um amarelo canário alegrou o espaço livre de uma tela A5 e repousou só depois na mesa de secagem.
Instruções para a vida em fases de indecisão não importam de onde vêm. Dirigem-nos apenas para o que no fundo já sabíamos com o conforto adicional de uma voz mais ou menos imperativa, de um ombro mais ou menos aconchegante. É desta forma que se produzem as maiores asneiras da vida a par com as mais primas obras de arte. Eu cá nem sequer gosto muito do amarelo.

segunda-feira, novembro 05, 2007

a flauta desaparecida

A minha filha perdeu a sua flauta. Hoje, logo pela manhã, incumbi-a de vasculhar a escola em busca do instrumento musical que deve levar consigo para a aulinha semanal de música. A história, o seu início, reporta-se à noite de ontem. Na altura de preparar a mochila para as actividades do dia seguinte, perguntei-lhe:
- Melga, onde puseste tu a flauta?
E a melga respondeu prontamente:
- Deve estar na mochila, mãe.
- Deveria de estar sim, mas acontece que não está!
E ela de forma desinteressada...:
- Ah, então não sei! Será que me esqueci dela na escola juntamente com o casaco?
Recordada de forma abrupta do maldito casaco que passa mais tempo na escola do que em casa, explodi!
- Pois ficas a saber que se amanhã não encontrares a flauta e o casaco, ficas uma semana sem ver televisão! Percebeste?
Ela percebeu. De resto não me posso queixar da falta de entendimento da minha filha, tanto que retorquiu com prontidão:
- Então e se eu achar só o casaco?
Temporariamente desarmada olhei-a com olhos de fogo e expressão de raiva:
- Basta que não encontres um dos objectos para o castigo ser uma semana sem televisão. Estamos entendidas?
- Não é justo mãe! Até porque o casaco eu calculo que esteja no cacifo. Já a flauta não faço mesmo ideia onde possa estar. Se eu conseguir trazer o casaco o castigo deveria ser menor, não achas?
- Não, não acho! O problema é que tu não sabes tomar conta das tuas coisas e enquanto não aprenderes e ser responsável ficas de castigo!
- Mas então não era só uma semana?
- Como? O que queres dizer com isso?
- Ora, se eu vou ficar de castigo até aprender a ser responsável isso vai levar mais que uma semana... Tu sabes bem que eu volta e meia deixo umas coisas na escola...
Restou-me aquela saída autoritária de quem já não tem argumentos:
- Estamos conversadas! Amanhã quero a flauta e o casaco, caso contrário: uma semana sem ver televisão!
Ainda a ouvi dizer qualquer coisa como "então e agora posso ver um bocadinho ou isto já conta para o castigo?".
Fugi para a sala antes que ela me obrigasse a fazer a planificação detalhada do castigo e a calendarização dos dias de privação televisiva.
Hoje fui deixá-la à escola e, como de costume, entrei com ela. A tipa foi a correr ao cacifo e ergueu o casaco azul no ar de forma triunfante!
- Cá está ele! Vês mãe? Ele fica sempre aqui!
- Pois, agora só falta a flauta...
Ela baixou ligeiramente os lindos olhos azuis e disse numa surdina:
- Vamos lá ver o que é que se consegue...
Beijei-a na testa e vim-me embora depressa.
A caminho do emprego desejei ardentemente que ela encontrasse a flauta... não tanto pela flauta como é bom de ver... ai, ai!