acto de contrição
Mais grave ainda é que, constatada a desgraça, se pretenda remediá-la com mais do mesmo: aumentar e fazer grassar a insegurança, tirando aos trabalhadores a sã expectativa de poderem continuar a alimentar-se a si e às suas famílias, submetendo-os à moderna escravatura do trabalho precário, à subserviência de abanarem com a cabecinha a tudo, apenas por medo, apenas por necessidade.
Provam várias teorias sociológicas que só quando o homem tem as suas necessidades mais básicas asseguradas, se pode preocupar com o seu enriquecimento enquanto ser humano, com a sua auto-formação e com o brio profissional que decorre de uma entrega satisfatória e satisfeita a uma causa, a um trabalho, a uma instituição.
Não é isto a que assistimos. As medidas que se avizinham não falam de uma maior e mais séria fiscalização aos múltiplos processos de corrupção que todos conhecemos, ou sequer do corte de regalias à corja que administra este País. Não se fala da necessidade de requisitos mínimos para ingressar como administrador num qualquer serviço público, os fantásticos cargos políticos que acolhem os anormais estupidamente bem pagos, sem outro rasteio que o famoso processo eleitoral democrático. Depois dos anormais, vêm os assessores dos anormais, igualmente pagos de forma principesca e transportados com graça mas não de graça nas limousines oficiais.
Este processo vivemo-lo diariamente, conhecemo-lo de ginjeira, e não logramos sequer poder denunciá-lo porque já é público. De resto, toda e qualquer tentativa de fazer diferente é imediatamente cortada pela raiz pelos múltiplos sistemas de alarme dos bufos existentes, colocados ao correr da pirâmide, e que garantem que as personae non gratas são afastadas, caladas, emprateleiradas e desacreditadas.
Continua-se a pretender penalizar a função pública na lógica anciã de retirar o que está bem feito para nivelar por baixo. Continua a pretender-se deixar entregue à cega lei do mercado sectores fundamentais como a educação e a saúde, garantes de um mínimo de igualdade e de dignidade entre os seres humanos. Continuamos a pautar a sobrevivência do homem pela lei do mais forte, quando o nosso avanço espiritual já nos deveria de permitir e mesmo obrigar a ver mais longe, a afastarmo-nos um pouco mais da lei da selva.
Se querem racionalizar os recursos humanos existentes, fiscalizem ainda melhor os processos de recrutamento, deixando de permitir que os políticos que não são recrutados metam as suas cunhas aos técnicos, sob ameaça de lhes retirarem os cargos de chefia conseguidos com mérito e trabalho. Se querem aumentar a produtividade, invistam na qualidade das condições de trabalho, na criação de meios que permitam aos trabalhadores focarem-se, sem o receio pelos filhos que não têm segurança nas escolas, sem o stress de não saberem se podem continuar a pagar o empréstimo da casa.
Porque nunca é tarde para arrepiarmos caminho, fica aqui o meu público acto de contrição (para satisfação de poucos e horror de muitos) e a declaração solene de que a partir deste momento me considero uma mulher de esquerda.

 Muito se diz, e bem, sobre esta peça invulgar e desconcertante. Fala-se sobre a liberdade de expressão num regime totalitário, sobre a responsabilidade de um autor sobre a sua obra, tudo isto num estilo narrativo que reconhecemos como o dos contos da nossa infância – e talvez nisto resida a sua inexplicável força e a forma como o argumento se entranha, tanto se entranha que não se estranha a simpatia que acaba por despertar o personagem do homem almofada que assiste às crianças, encorajando-as ao suicídio.
Muito se diz, e bem, sobre esta peça invulgar e desconcertante. Fala-se sobre a liberdade de expressão num regime totalitário, sobre a responsabilidade de um autor sobre a sua obra, tudo isto num estilo narrativo que reconhecemos como o dos contos da nossa infância – e talvez nisto resida a sua inexplicável força e a forma como o argumento se entranha, tanto se entranha que não se estranha a simpatia que acaba por despertar o personagem do homem almofada que assiste às crianças, encorajando-as ao suicídio. Ela e ele lançaram-se de mãos dadas no precipício até à proximidade das ondas. Demasiado jovens para entenderem que há vida para além do amor, demasiado sábios para quererem arrastar os dias nessa ausência. Depois foi o mar que lhes levou os corpos a um destino qualquer. Cá de cima, entre as vozes do casario, perpetuava-se a história dos dois amantes que tinham preferido entrelaçar-se na morte a serem separados em vida. Importa mais o que veio depois – um inevitável percurso divergente. Ela apressou-se na despedida, não fosse depois da morte morrer de amor outra vez. Ele com a âncora do passado a pesar-lhe nos pés, sentou-se nas ondas a ver os despojos, até que os rápidos séculos lhe desgastassem a memória de um romance mais que perfeito. Queria ela poder ter-lhe dito que há sempre mais novos lugares, e que nos hiatos do espaço voltaria aos seus lábios para lhe ensinar num beijo a história de uma eternidade, assim, até que a morte os não separe.
Ela e ele lançaram-se de mãos dadas no precipício até à proximidade das ondas. Demasiado jovens para entenderem que há vida para além do amor, demasiado sábios para quererem arrastar os dias nessa ausência. Depois foi o mar que lhes levou os corpos a um destino qualquer. Cá de cima, entre as vozes do casario, perpetuava-se a história dos dois amantes que tinham preferido entrelaçar-se na morte a serem separados em vida. Importa mais o que veio depois – um inevitável percurso divergente. Ela apressou-se na despedida, não fosse depois da morte morrer de amor outra vez. Ele com a âncora do passado a pesar-lhe nos pés, sentou-se nas ondas a ver os despojos, até que os rápidos séculos lhe desgastassem a memória de um romance mais que perfeito. Queria ela poder ter-lhe dito que há sempre mais novos lugares, e que nos hiatos do espaço voltaria aos seus lábios para lhe ensinar num beijo a história de uma eternidade, assim, até que a morte os não separe.
