o circo

Ao sol a solidão é igual mas a atitude é diferente...

Levanto a pedra, chuto alto o sapato, soca, moule. Fico a vê-lo voar. Prefiro vê-lo de longe a correr ao seu encontro. Na distância do seu voo está um tempo de meditação, prazer e sossego. Como quando já antevimos o final e esperamos por ele conhecedores numa espécie de reprise. Fica-me o pé descalço e o andar desencontrado, desajustado. Deselegante é o eterno aprumo. Prefiro o corte com a normalidade. Faço-o também com o humor corrosivo. Mau humor. Vem-me com o cansaço e com a rotina. Também o cinismo mas esse com mais esforço. Esforço adicional de quem ainda tem noção do que pode perder. Quando não, é a agressividade pura e simples. E seja o que Deus quiser. Mando à merda como quem manda alto o sapato e chuta a pedra antevendo a sua queda. Por vezes no charco. Salpicando de efeitos secundários o que está em torno do alvo. Gosto mais da diversão do que das nefastas consequências e por isso me borrifo nelas. Salpico-me também. Outras vezes, sonho só com o sapato a voar ou com a palavra. Realizo o filme do dia com um final desconcertante. Solta-se a angústia latente e a irritante modorra. Não gosto quando me interrompem os sonhos com a realidade. Todos acham que esta vale mais do que aqueles. A importância dos papéis. Enquanto eu os rasgo em pensamentos reduzindo-os à pequenez da sua verdade. Dizem-me que o normal é aprender a aceitar tudo isto. Tenho para mim que isso é estupidez. E a estupidez custa-me. Normalidade e estupidez não devem ser sinónimos. Faço um esforço grande enquanto ainda tenho a noção das nefastas consequências e não me borrifo nelas. Salpico-me, transbordo-me delas nos filmes que realizo. Ponho na tela o sapato a voar e espero com satisfação o seu diagrama descendente. Até ao alvo. Ao charco. Ao chão. À realidade da lama. No sonho a essência tem mais valor pelo repúdio da mediocridade. Chutá-la. Alto. Como um sapato, uma soca, uma moule aterrando nas mais pequenitas consciências.
Comprei hoje o meu pirilampo mágico da campanha de 2006. Comprei-o ao mesmo tempo que o meu amigo Pedro A. , (deves-me um euro e meio ó malandro!) mas o dele é incomparavelmente diferente do meu. Abertos os sacos, o dele ostenta um ar confiante e alegre de olhitos curiosos e espevitados. O meu... tem um ar murchinho e encolhido, meio torto sobre o seu lado esquerdo, com um olharzinho cabisbaixo e envergonhadito. Que fazer?, cada um de nós tem o que merece ou, a cada um o seu pirilampo.