quarta-feira, maio 31, 2006
Hoje é dia de quem me dera. E não me digam que não há horas inúteis. Não há caneta que reescreva sobre o rasurado do tempo. Gasto. Quem me dera! Sei-te capaz do milagre que não fazes. Os teus olhos são cartolas vazias e eu sou a criança que espera o coelho branco. Ponho no mago um poder que me pertence mas que me escapa. Como me escapam as horas que perco nesta muda assistência da vida. Porque me chamas ao teu palco? Que faço eu iludida? Porque me despes a roupa antes que me vá? E quem me dera não chegasse o intervalo desta patética encenação infantil porque me doem as mãos contraídas pela aclamação dos anos. Et voilá!, o condão do feitiço e saiem de mim papéis multicolores - fatal mulher - espectáculo. Três, dois, um. Acordo. Hoje. Em dia de quem me dera. E não me digam que não vá. Não há quem possa não ir onde pertence. Tenho o lugar reservado na primeira fila de espera. Para quando se levanta o cartaz a dizer que é tempo de rir. Ou de chorar. Ou de partir. O meu corpo é malabarista e a minha mente veloz. Trapezista à altura do teu sonho com a rede do desencanto que me suporta na queda. E quem me dera que hoje fosse dia de circo. Dos esguichos das pistolas dos palhaços que me dão prazer. Compraria o meu bilhete. Mas há horas sombrias. Feriados na ribalta desta alucinação. E não há guião que não ponha fim a um romance. Quem me dera.
segunda-feira, maio 29, 2006
o ataque das traças
Sobre o céu bailavam as traças escurecendo a luz amarela da imensa chaminé. Desfazendo a lã das obsoletas camisolas numa noite de Verão e linho. Dispam-se as roupas e os preconceitos que a música da guitarra ainda trinava na lembrança, aconchegando a vida de ovos doces e moles. Braços de água com sal e afoitos marinheiros na arte de navegar corações, cruzando impossíveis distâncias, até à perfeita serenidade de um outro lar. Rostos bonitos de olhos imensos, confessando que há mais para além destes dias, emprestando a mão igual a crianças diferentes. Faz-se a poesia trilhando em conjunto as calçadas, pondo os passos na sintonia de um destino similar. Intervalam-se os quotidianos para se pescarem tão longe as semelhanças, semeando uma nova saudade. Também as traças voam juntas pela primeira vez. Aconchegando-se ao apelo da luz. Há incansáveis faróis que teimam no escuro em apontar um outro caminho. Que abrem as portas e dão guarida ao futuro. E não há palavras que se digam depois. Acreditemos que pudessem perceber no nosso sorriso a vontade de voarmos juntos uma outra vez.
a um farol.
sexta-feira, maio 26, 2006
a letra que me deste
Quando me enviaste uma letra de música pensei-a minha, ou tua, que ma desses para meu pertence. Usei-a no peito porque lhe dei voz. Singularidade de uma mulher a cantar notas inventadas para um poema. Disseram-me que estava bela. Abri a janela do carro para aspirar o elogio. Assim a cantar parecia outra. Nem todos os cantos transformam as sereias em veneno. Há um canto para cada mulher como porventura um perfume que se etiliza no aroma próprio de cada pele. Não direi uma arma porque a poesia só é fatal para quem a veste no corpo e a sente nas ancas. Quando o balanço dos passos se faz verso e os seios explodem reluzentes de brio. Corpos há que nunca se revoltam mesmo quando estremecem de carícias. Que não se suspendem roucos contraindo no ventre o prazer em prisioneiro sofrimento. Eu trazia sonetos no desenho das costas destapadas e essa tua letra que fala do esquecimento na garganta. E creio que estava bela, revestida dessa aura do desejo de te ter. Depois fechei a janela, não fosse a magia correr atrás do vento cedo demais. Antes que parasses no passeio encantando por mim, com o espanto no rosto de quem não me reconhece a melodia.
quinta-feira, maio 25, 2006
sinais da maturidade
Gestos nus, poucas palavras e o desencontro de olhares despidos. Sossega-se numa ironia, numa morte perene. Estranha paz, exultada pelo calor do semi Verão - estação sem penas ou nostalgia. Trevas nas tréguas desejadas, ou luz forte numa outra surpreendente realidade. Assim assim. Diferente do nada. Diferente de tudo. Sem lugar a novos lugares. Pondo a cru, tirando os condimentos. Ordem no sofrimento - ganha razão; ganha sentido. Há sempre o segundo da mutação. Mas retroagem horas doentias à convalescença deste sorriso. Horas necessárias - melhor que sabê-las perdidas. Nem sempre o trofeu é a taça dourada. Há no bronze o encanto do suor e a certeza da lição assimilada. Como há no não mais firme vontade. Como há na distância mais força conquistada. É bom saber o que não nos serve - justo paliativo ao desconhecimento do que queremos, analgésico ao desconforto da mudança.
quarta-feira, maio 24, 2006
mais vale tarde que nunca...
Até que enfim uma boa notícia. Pena tenho eu que venha tantos anos depois de algumas noitadas ou, melhor dizendo, de algumas más manhãs...
terça-feira, maio 23, 2006
cansaço
Mais de mim, menos dos outros. Descobrir o prazer no cansaço da entrega. Nada dos outros e tudo de mim. Dizem-me que o tempo cura. São todos muito mais velhos do que eu e sei agora que a velhice é o gelo e o medo. Morrerei jovem de sentimentos mas sulcada pelas rugas ou então por esta mortal doença de afectos. Não percebo esta geriatria que invade a humanidade. Não quero ser tomada pela raiva e pelo desprezo mas vejo na dor alheia o reflexo da mediania dos encolhidos cobardes. Cortam-me a impotência e as más soluções. Perserguem-me os olhos de fé e de bondade dos desprezados como gritos que me ecoam por dentro e me magoam. E dos gestos simples não reza história alguma. Nem se abanam bandeiras desfraldadas. Nem se ouvem pregões de ordem. Fazem-se movimentos à medida do crescente comodismo e do chic da moda. Não saia de casa. Envie um e-mail para dez amigos. Proteste por escrito. Basta a assinatura no manifesto já redigido. Morrerão encolhidos sobre o umbigo em almofadas de penas e cetim. Coitadinhos! Odeio os coitadinhos e os que dizem coitadinhos. Porque ninguém estende a mão para o triste destino. Consolam-se com a falsa pena. Com a medíocre e espampanante solidariedade. Estou tão cansada.
terça-feira, maio 16, 2006
ninguém dá nada a ninguém
Esta é uma certeza do liberalismo selvagem, dos dias que correm, dos sistemas feitos por homens para homens. Acreditava eu que com Deus a coisa pudesse ser diferente. Do mais comezinho podemos extrair, se estivermos atentos, grandes ensinamentos prático filosóficos e até, porque não?, um conhecimento teológico mais profundo e realista.
Acontece que ontem, desesperada por uma crise de rinite alérgica que durava desde a manhã, lamentava eu a avaria do meu aspirador supersónico que, entre outras utilidades, me serve também como purificador de ar. A avaria ter-se-á dado mais por mea culpa do que propriamente por cansaço ou fragilidade da máquina que me serve fielmente há uns sete para oito anos. Já lá vai uma semana que, por motivos de contenção de despesas, resolvi pôr-lhe no bucho não os caros e sofisticados líquidos que ao seu fino trato são apropriados, mas antes, ó heresia, um daqueles óleos de cheiro da loja do chinês. O gajo engoliu, estrebuchou, enrouqueceu e quedou-se mudo. Roguei então mil pragas e impropérios. Abracei-o, pedi a ajuda divina. Limpei-o e tentei tornar a ligá-lo mas nada o reanimava. Desgostosa mas conformada, arrumei-o no seu cantinho e fiz contas dramáticas à vida a pensar na sua reparação.
Mas ontem, dizia eu, enquanto maldizia a minha alergia e pensava numa forma eficaz de perfurar cruelmente o meu nariz, tive um acesso de fé, uma premonição, ou coisa semelhante para a qual me falta um vocábulo mais santificado. Dirigi-me à despensa e dei-me ao trabalho de tirar de lá o adoecido aspirador. Enquanto lhe enchia o depósito de água pensava em como seria um milagre se ele se recompusesse e desatasse a trabalhar cheio de força, naquela infernal mas já saudosa barulheira que atormenta a paciência de qualquer um. À cautela, preparava-me para o pior e contabilizava as boas coisas que tenho na vida. Aquela conversa medricas do tipo, deixa lá, pelo menos a tua filha nunca adoece, tem uma saúde de ferro... Eis que ligo o botão e... dá-se o milagre! Ressuscitado, o meu adorado aspirador começou a trabalhar como antes. Pleno de pujança. Uma mistura de inenarrável alegria com a garra das últimas forças de um valente estado de prostração alérgica, levou-me a aspirar o meu quarto, o meu colchão, edredões e almofadas, a cozinha, a salinha e, por fim já exausta, deixei-o a trabalhar sozinho, limpando o ar que me rodeava.
Quando me deitei à noite estava tão cansada que me esqueci de Lhe agradecer a felicidade que me dera e adormeci profunda e rapidamente. Cerca das três da manhã fui acordada pela miúda que mora comigo lá em casa. Trazia numa mão o coelho com que dorme e a outra, encostava-a à barriga queixando-se de dores. Escusado será alongar-me na descrição da insónia que se seguiu. Borrachinha de água quente, miminhos, água, sede, queixumes e mais miminhos. Enfim, não dormi nada. Quem me mandou a mim lembrar-me que o raio da miúda nunca adoecia? Deus há-de ter entendido que eu trocava a saúde da minha filha pela do meu aspirador!? Sempre me saíste um Belo Usurário! Ou, Diz lá, foi porque eu não Te agradeci? Seu, Seu... Capitalista Amuado!
Acontece que ontem, desesperada por uma crise de rinite alérgica que durava desde a manhã, lamentava eu a avaria do meu aspirador supersónico que, entre outras utilidades, me serve também como purificador de ar. A avaria ter-se-á dado mais por mea culpa do que propriamente por cansaço ou fragilidade da máquina que me serve fielmente há uns sete para oito anos. Já lá vai uma semana que, por motivos de contenção de despesas, resolvi pôr-lhe no bucho não os caros e sofisticados líquidos que ao seu fino trato são apropriados, mas antes, ó heresia, um daqueles óleos de cheiro da loja do chinês. O gajo engoliu, estrebuchou, enrouqueceu e quedou-se mudo. Roguei então mil pragas e impropérios. Abracei-o, pedi a ajuda divina. Limpei-o e tentei tornar a ligá-lo mas nada o reanimava. Desgostosa mas conformada, arrumei-o no seu cantinho e fiz contas dramáticas à vida a pensar na sua reparação.
Mas ontem, dizia eu, enquanto maldizia a minha alergia e pensava numa forma eficaz de perfurar cruelmente o meu nariz, tive um acesso de fé, uma premonição, ou coisa semelhante para a qual me falta um vocábulo mais santificado. Dirigi-me à despensa e dei-me ao trabalho de tirar de lá o adoecido aspirador. Enquanto lhe enchia o depósito de água pensava em como seria um milagre se ele se recompusesse e desatasse a trabalhar cheio de força, naquela infernal mas já saudosa barulheira que atormenta a paciência de qualquer um. À cautela, preparava-me para o pior e contabilizava as boas coisas que tenho na vida. Aquela conversa medricas do tipo, deixa lá, pelo menos a tua filha nunca adoece, tem uma saúde de ferro... Eis que ligo o botão e... dá-se o milagre! Ressuscitado, o meu adorado aspirador começou a trabalhar como antes. Pleno de pujança. Uma mistura de inenarrável alegria com a garra das últimas forças de um valente estado de prostração alérgica, levou-me a aspirar o meu quarto, o meu colchão, edredões e almofadas, a cozinha, a salinha e, por fim já exausta, deixei-o a trabalhar sozinho, limpando o ar que me rodeava.
Quando me deitei à noite estava tão cansada que me esqueci de Lhe agradecer a felicidade que me dera e adormeci profunda e rapidamente. Cerca das três da manhã fui acordada pela miúda que mora comigo lá em casa. Trazia numa mão o coelho com que dorme e a outra, encostava-a à barriga queixando-se de dores. Escusado será alongar-me na descrição da insónia que se seguiu. Borrachinha de água quente, miminhos, água, sede, queixumes e mais miminhos. Enfim, não dormi nada. Quem me mandou a mim lembrar-me que o raio da miúda nunca adoecia? Deus há-de ter entendido que eu trocava a saúde da minha filha pela do meu aspirador!? Sempre me saíste um Belo Usurário! Ou, Diz lá, foi porque eu não Te agradeci? Seu, Seu... Capitalista Amuado!
sexta-feira, maio 12, 2006
o sapato voador
Levanto a pedra, chuto alto o sapato, soca, moule. Fico a vê-lo voar. Prefiro vê-lo de longe a correr ao seu encontro. Na distância do seu voo está um tempo de meditação, prazer e sossego. Como quando já antevimos o final e esperamos por ele conhecedores numa espécie de reprise. Fica-me o pé descalço e o andar desencontrado, desajustado. Deselegante é o eterno aprumo. Prefiro o corte com a normalidade. Faço-o também com o humor corrosivo. Mau humor. Vem-me com o cansaço e com a rotina. Também o cinismo mas esse com mais esforço. Esforço adicional de quem ainda tem noção do que pode perder. Quando não, é a agressividade pura e simples. E seja o que Deus quiser. Mando à merda como quem manda alto o sapato e chuta a pedra antevendo a sua queda. Por vezes no charco. Salpicando de efeitos secundários o que está em torno do alvo. Gosto mais da diversão do que das nefastas consequências e por isso me borrifo nelas. Salpico-me também. Outras vezes, sonho só com o sapato a voar ou com a palavra. Realizo o filme do dia com um final desconcertante. Solta-se a angústia latente e a irritante modorra. Não gosto quando me interrompem os sonhos com a realidade. Todos acham que esta vale mais do que aqueles. A importância dos papéis. Enquanto eu os rasgo em pensamentos reduzindo-os à pequenez da sua verdade. Dizem-me que o normal é aprender a aceitar tudo isto. Tenho para mim que isso é estupidez. E a estupidez custa-me. Normalidade e estupidez não devem ser sinónimos. Faço um esforço grande enquanto ainda tenho a noção das nefastas consequências e não me borrifo nelas. Salpico-me, transbordo-me delas nos filmes que realizo. Ponho na tela o sapato a voar e espero com satisfação o seu diagrama descendente. Até ao alvo. Ao charco. Ao chão. À realidade da lama. No sonho a essência tem mais valor pelo repúdio da mediocridade. Chutá-la. Alto. Como um sapato, uma soca, uma moule aterrando nas mais pequenitas consciências.
quarta-feira, maio 10, 2006
sentidos
Ouçam bem o som dos meus passos e adivinhem o meu caminho pois quando vos parecer que chego pode bem ser que esteja antes de partida. Atentai nas minhas palavras porque quando anuncio a manhã já sinto a noite e conheço de cor a sua distância. Por fim, acariciem os meus últimos gestos que um dia serão eternos ou inconsequentes se dissiparão no irrisório.
terça-feira, maio 09, 2006
pirilampo 2006
Comprei hoje o meu pirilampo mágico da campanha de 2006. Comprei-o ao mesmo tempo que o meu amigo Pedro A. , (deves-me um euro e meio ó malandro!) mas o dele é incomparavelmente diferente do meu. Abertos os sacos, o dele ostenta um ar confiante e alegre de olhitos curiosos e espevitados. O meu... tem um ar murchinho e encolhido, meio torto sobre o seu lado esquerdo, com um olharzinho cabisbaixo e envergonhadito. Que fazer?, cada um de nós tem o que merece ou, a cada um o seu pirilampo.
segunda-feira, maio 08, 2006
ninno
Tenho a honra de ser amiga deste homem, a quem reconheço uma rara inteligência aliada a uma ainda mais rara sensibilidade. Para além da amizade, liga-nos também a admiração por Giovannino Guareschi, pela sua obra e pelo que da sua personalidade nessa obra se revela. Cresci com um dos livros de Guareschi à cabeceira - "À Italiana" - ao qual recorria quando doente como remédio milagroso de riso e ternura. Fica neste post do Ninno o link para uma entrevista com os filhos do saudoso autor.
quinta-feira, maio 04, 2006
à pesca na sarjeta
Para quem não me conhece, fica aqui a informação de que eu sou, por vezes, mulher de vastos recursos e fértil imaginação... Posto isto, vamos aos factos. Ontem, em desvelos de carinho maternal e descurando os conselhos dos fisiatras e osteopatas, carreguei a minha filha ao colo desde a porta da sua sala de aulas e disparates até ao veículo onde habitualmente nos transporto e que ficara estacionado quase de fronte do colégio. A rapariga ia encantada olhando de alto para os demais coleguinhas que, apeados, seguiam o seu caminho. Ora, num acesso de meiga exuberância, a dita miúda (que diga-se já está pesadita) jogou-se com ainda mais empenho ao meu pescoço fazendo com que uma das minhas argolas de prata, que habitualmente dependuro nas minhas orelhas, se desprendesse e saltasse para o chão, continuando a rolar sobre si própria em direcção a uma sarjeta.
Não sou uma mulher de sorte em trivialidades. Em trinta e nove anos de vida nunca me saiu um prémio em jogo ou sequer uma rifa. A manteiga do meu pão cai sempre virada para baixo. Tropeço sempre nas ocasiões mais inoportunas. Escolho sempre a fila do supermercado mais demorada, aquela em que o cliente tem um produto sem código de barras ou em que o multibanco avaria. Todo este passado dá-me a vantagem de encarar os factos com a lucidez dos azarados. Se pode correr mal vai correr mal. Sim... a lei de Murphy.
Está claro que a dita argola caíu mesmo na sarjeta e que me resignei à sua perda até porque sobre a grelha de ferro estava o pneu de um carro por sinal quase tão careca quanto a minha conta bancária.
Foi de noite, já em casa, que arquitectei o meu plano. Um íman de frigorífico, um cordel e uma cana. Fui armada destes recursos esta manhã, qual pescadora temerária que procura a sua sorte nas águas mais improváveis. Estacionei já com algum sobressalto. A expectativa acelerava-me o batimento cardíaco. Acocorei-me junto à dita e dei início à minha pescaria. Meus amigos... as reacções dos seres humanos são espantosas. Do espanto ao riso, da mais pura estupefacção à solidariedade espontânea. Eu própria quando cogitava sobre o figuraço que estava a fazer, tinha breves acessos de gargalhadas o que, presumo, mais reforçava o caricato da cena. Uma jovem senhora acompanhada do seu filho, ofereceu-me pastilhas elásticas para colar no íman com a teoria de que, depois de bem mascadas, poderiam servir para colar a argola e puxá-la. Assim, de cócoras sobre a sarjeta, mascando pastilhas e com uma cana na mão, fui finalmente vitoriosa nos meus intentos. Não da forma como tinha previsto. Porque nem sempre as coisas acontecem como planeámos. O puto, filho da senhora das chewings, ajudou-me a levantar a grelha com todo o entusiasmo do que lhe pareceu uma excelente ideia. Aposto que era a primeira vez que via alguém a pescar numa sarjeta e a brincadeira agradava-lhe. Olhava para mim com muita simpatia, por certo pensando que alguns adultos são menos adultos que outros. Bem, a grelha levantou-se e só depois, com a minha fantástica cana à qual entretanto acrescentara um clip na ponta, pescámos a argola. Fiquei contentíssima. O rapazito batia palmas. Foi uma festa! Das leis da Física recordei que a prata é anti magnética mas, mais valiosa, ficou-me a lição de que nem todos passam indiferentes. Há ainda uma esperança para a humanidade. E, quando queremos, até que conseguimos.
Não sou uma mulher de sorte em trivialidades. Em trinta e nove anos de vida nunca me saiu um prémio em jogo ou sequer uma rifa. A manteiga do meu pão cai sempre virada para baixo. Tropeço sempre nas ocasiões mais inoportunas. Escolho sempre a fila do supermercado mais demorada, aquela em que o cliente tem um produto sem código de barras ou em que o multibanco avaria. Todo este passado dá-me a vantagem de encarar os factos com a lucidez dos azarados. Se pode correr mal vai correr mal. Sim... a lei de Murphy.
Está claro que a dita argola caíu mesmo na sarjeta e que me resignei à sua perda até porque sobre a grelha de ferro estava o pneu de um carro por sinal quase tão careca quanto a minha conta bancária.
Foi de noite, já em casa, que arquitectei o meu plano. Um íman de frigorífico, um cordel e uma cana. Fui armada destes recursos esta manhã, qual pescadora temerária que procura a sua sorte nas águas mais improváveis. Estacionei já com algum sobressalto. A expectativa acelerava-me o batimento cardíaco. Acocorei-me junto à dita e dei início à minha pescaria. Meus amigos... as reacções dos seres humanos são espantosas. Do espanto ao riso, da mais pura estupefacção à solidariedade espontânea. Eu própria quando cogitava sobre o figuraço que estava a fazer, tinha breves acessos de gargalhadas o que, presumo, mais reforçava o caricato da cena. Uma jovem senhora acompanhada do seu filho, ofereceu-me pastilhas elásticas para colar no íman com a teoria de que, depois de bem mascadas, poderiam servir para colar a argola e puxá-la. Assim, de cócoras sobre a sarjeta, mascando pastilhas e com uma cana na mão, fui finalmente vitoriosa nos meus intentos. Não da forma como tinha previsto. Porque nem sempre as coisas acontecem como planeámos. O puto, filho da senhora das chewings, ajudou-me a levantar a grelha com todo o entusiasmo do que lhe pareceu uma excelente ideia. Aposto que era a primeira vez que via alguém a pescar numa sarjeta e a brincadeira agradava-lhe. Olhava para mim com muita simpatia, por certo pensando que alguns adultos são menos adultos que outros. Bem, a grelha levantou-se e só depois, com a minha fantástica cana à qual entretanto acrescentara um clip na ponta, pescámos a argola. Fiquei contentíssima. O rapazito batia palmas. Foi uma festa! Das leis da Física recordei que a prata é anti magnética mas, mais valiosa, ficou-me a lição de que nem todos passam indiferentes. Há ainda uma esperança para a humanidade. E, quando queremos, até que conseguimos.
terça-feira, maio 02, 2006
só longe demais
Só longe demais
a certeza deste súbito amor
te surpreende,
e beleza outra
jamais aí ousará tocar,
onde reside simplesmente
esta eterna verdade
que não conhece a distância.
E se o instante se repete,
tão longinquamente,
a fragrância que se expande
não pode conhecer a morte
porque a espaços te ressuscita
e te desperta.
Longe, só longe demais,
tão súbita e repetidamente
como se em qualquer lado
fosse sempre o seu lugar.
a certeza deste súbito amor
te surpreende,
e beleza outra
jamais aí ousará tocar,
onde reside simplesmente
esta eterna verdade
que não conhece a distância.
E se o instante se repete,
tão longinquamente,
a fragrância que se expande
não pode conhecer a morte
porque a espaços te ressuscita
e te desperta.
Longe, só longe demais,
tão súbita e repetidamente
como se em qualquer lado
fosse sempre o seu lugar.