segunda-feira, fevereiro 28, 2005
Poderei eu alguma vez conseguir dizê-lo? E entre a cacafonia das palavras e os instintos de três feras, fico eu de coração destroçado. Eu que jurara a minha vida a amar-te e a cuidar-te até que a morte, ou outra gata qualquer, nos separasse... Oh, Jeremias!
três noites
Na primeira noite uivou à lua. E os uivos perderam-se no silêncio.
Na segunda noite rezou. E as preces devolveram-lhe os uivos e o silêncio.
Na terceira noite deitou-se conformada. E a lua trouxe-lhe a manhã.
sexta-feira, fevereiro 25, 2005
à minha maneira
Disseram-me para cultivar o ódio.
Transformar a dor em raiva,
a mágoa em vingança
e eu procurei dentro de mim.
Encontrei a dor, a mágoa,
a mágoa, a dor, a dor e a mágoa...
Experimentei ter ódio e raiva e planear a vingança.
Encontrei a mágoa, a dor e a mágoa.
E tive ódio de mim e raiva de mim
e vinguei-me de mim,
assim como só eu sei,
instintivamente e sem planos.
Transformar a dor em raiva,
a mágoa em vingança
e eu procurei dentro de mim.
Encontrei a dor, a mágoa,
a mágoa, a dor, a dor e a mágoa...
Experimentei ter ódio e raiva e planear a vingança.
Encontrei a mágoa, a dor e a mágoa.
E tive ódio de mim e raiva de mim
e vinguei-me de mim,
assim como só eu sei,
instintivamente e sem planos.
o milagre
Vieram de todos os lados para ver o milagre. Até da Charneca tinha vindo a Faustina carregada de oitenta e sete anos de idade e muitos outros de vida, que isto do tempo é mesmo relativo, deitadas as contas aos desperdícios e às apostas duplas. À cautela, vinham os sacos de merenda porque ver milagres é coisa imprevista, vinham banquetas desarmáveis para outro conforto e mantas de resguardo que pela noite é que se sente o frio. Uns quantos não tinham vindo propriamente, aqueles que de passagem só se deixaram ficar. E dizia-se que da terra vinha cheiro de profecia e que a cor do céu estava turva de mistério. Eram muitos, muitos mais que os poucos que também não haviam vindo porque já lá estavam, e eram esses mesmo, doutores da região, mestres do visionamento, que se deitavam em palavras de espanto e olhares de reverência.
Faustina aferrolhara-se na mudez que a idade não lhe deixava fazer perguntas à chegada. Já vira muito meio milagre para conversas atoleimadas de turista, muito céu fechado ou tremeluzente e até olfacto de cânfora e enxofre brotar da terra ou de gente, para saber medir a verdade. A verdade mede-se por comparação na balança da experiência. Pelos anos, vamos distribuindo as coisas em feixes de verdades e mentiras e pondo os molhos em dois celeiros. Ambos são importantes para o cultivo. E do molho da mentira se tira por vezes, pelo reverso, a verdade. Destes ensinamentos e mais filosofias, duplicara a Faustina a existência, ministrando com suavidade e método os estranhos e errantes discípulos pela escola dos caminhos. Pois era nessa roda de circunspectos que se adensavam as disputas, que o que se via havia de ser catalogado.
A arte de catalogar, porque ultrapassa a ciência, sabe-se redutora mas necessária. Necessário é o resumo após a largueza dos acontecimentos. É o resumo o que resta, o produto mastigado por quem tem melhores dentes e digestões mais profícuas. Ruminava-se portanto os pedaços de milagre e envolvências, degustando-se a magia e a beleza do encantamento até ao suspiro final do veredicto.
Porque não anoiteceu não se abafaram de mantas mas já seria madrugada quando o milagre fugiu. E foi na fuga que se certificou o milagre pela primeira palavra da Faustina. Que não há milagre eterno. O verdadeiro milagre deixa-se ver por vaidade em momentos e foge depois para de onde veio, para que se resguarde na lembrança. O que se transporta na lembrança é que é eterno e é só assim que o milagre se eterniza.
Faustina aferrolhara-se na mudez que a idade não lhe deixava fazer perguntas à chegada. Já vira muito meio milagre para conversas atoleimadas de turista, muito céu fechado ou tremeluzente e até olfacto de cânfora e enxofre brotar da terra ou de gente, para saber medir a verdade. A verdade mede-se por comparação na balança da experiência. Pelos anos, vamos distribuindo as coisas em feixes de verdades e mentiras e pondo os molhos em dois celeiros. Ambos são importantes para o cultivo. E do molho da mentira se tira por vezes, pelo reverso, a verdade. Destes ensinamentos e mais filosofias, duplicara a Faustina a existência, ministrando com suavidade e método os estranhos e errantes discípulos pela escola dos caminhos. Pois era nessa roda de circunspectos que se adensavam as disputas, que o que se via havia de ser catalogado.
A arte de catalogar, porque ultrapassa a ciência, sabe-se redutora mas necessária. Necessário é o resumo após a largueza dos acontecimentos. É o resumo o que resta, o produto mastigado por quem tem melhores dentes e digestões mais profícuas. Ruminava-se portanto os pedaços de milagre e envolvências, degustando-se a magia e a beleza do encantamento até ao suspiro final do veredicto.
Porque não anoiteceu não se abafaram de mantas mas já seria madrugada quando o milagre fugiu. E foi na fuga que se certificou o milagre pela primeira palavra da Faustina. Que não há milagre eterno. O verdadeiro milagre deixa-se ver por vaidade em momentos e foge depois para de onde veio, para que se resguarde na lembrança. O que se transporta na lembrança é que é eterno e é só assim que o milagre se eterniza.
quinta-feira, fevereiro 24, 2005
futuro
Como são estranhos os passos que se ladeiam quando opostos se cruzam. Iludindo um encontro, partem e dizem adeus. Divergentes, marcam no solo o seu trajecto de costas voltadas. Ignorantes da surpreendente realidade geométrica da Terra, redonda, una e fechada, perdem a primeira oportunidade de pouparem o inevitável reencontro.
terça-feira, fevereiro 22, 2005
entre o nada e o talvez
Agora não há tempo porque é tempo de agora. Sem promessas ou arrependimentos nem passados perpassados nesses olhos de dúvida e lágrima. Agora não é sempre, não tem esse peso de jura eterna, agora é tão só um tempo de liberdade. E antes este agora que o outro nunca mais. Esta escolha não macula nem dói. Dói mais essa rédea no pensamento, o esgar do sofrimento pelo corpo sem sombra e sem reflexo, pelo espectro. Não se chame quem não vem ou se invoque quem perdeu este momento. A vida perde-se e não se repete. Qual o mal da oferta destas mãos se a recusa é que fere de morte? Esta não é a essência perfumada do amor nem o sem aroma do nada mas nem sempre se divide a laranja em dois gomos e nem sempre é sempre certo ou sempre errado e este é o tempo mitigado do talvez. Talvez agora haja tempo para outro agora que não seja verdade nem mentira, nem para sempre nem jamais. Momento de entretanto enquanto o nada não se desvanece ou se constrói. A rotura não é feita de hiatos vazios, inanimados e sem história. Pode ser uma recta de pontos minúsculos e desmaiados, percurso para o elo do início ou da retoma, pequenos contos ou historietas que intercalam o vácuo de personagens. Não se lhe chame escolha mas antes caminho que não renega nem compromete que não se entende esse ódio, essa repulsa, essa fuga do presente. Que fantasma tão pesado e tão forte assim se perpetua e se prolonga para que não haja tempo, nem agora?
segunda-feira, fevereiro 21, 2005
sugestão
Lingerie sensual em preto com cinto e ligas.
Coco, blaser e pingalim.
Ouça-se "Feeling Good".
Versão dos Muse ou, para os mais clássicos, Nina Simone.
o que tu queres sei eu!
A liberdade de uma mulher é inversamente proporcional ao espaço que cede no seu roupeiro. Quanto mais espaço cede mais cerceia a sua liberdade. Orgulho-me do meu armário de três portas a abarrotar dos meus excessos e das minhas excentricidades. Quando me perguntam se eu o amei, respondo que lhe dei um cabide para um par de calças e uma camisa. E com esta liberdade consegui amá-lo e alimentar uma paixão. Recordo o primeiro saco de roupa para o primeiro fim de semana e o olhar amuado para o restritíssimo espaço disponível. Sabe-se que um olhar amuado na face de um homem, principalmente quando acompanhado de um irresistível beicinho, produz uma espécie de estranha energia no coração mole de uma mulher. Docemente, retirei alguns dos meus trapos menos usados e transportei-os para um dos dois armários que tenho na minha arrecadação. Foi o princípio do fim. Pouco tempo após retirava-se definitivamente o cabide e o saco, a escova de dentes e a máquina de barbear. À próxima já sei. Ao primeiro olhar de soslaio para os intervalos dos meus encavalitados cabides serei firme. Muito firme. Olhá-lo-ei impiedosamente nos olhos e dir-lhe-ei: O que tu queres sei eu!!!
por ti
Perderia o sorriso para saborear contigo esta nostalgia. Secaria todas as lágrimas para que entendesses a minha dor. Passaria fome para degustar o teu corpo em abundância. Cegaria para te conhecer pelo tacto. Privar-me-ia da música só pelo som das tuas palavras. Daria a vida e o tempo se a morte te me trouxesse. Mas jamais me acorrentarei para que tu finalmente possas entender o que é a liberdade.
sexta-feira, fevereiro 18, 2005
sms's e seus tarifários
Parte de algumas das minhas noites são passadas a trocar sms's. Saem mais baratos que as chamadas e, mau grado a ausência das doces tonalidades das vozes dos interlocutores, trazem consigo o peso das palavras escritas. Todavia, o sistema de mensagens é um veículo frio, inerte. O toque de chegada de um sms é igual, independentemente do emissor ou das palavras que traz no ventre. Curiosa e lamentavelmente, "amo-te" ou "odeio-te" chegam aos olhos do receptor entregues da mesma maneira. Indiferente à solenidade emocional que transporta, o serviço de mensagens alheia-se, como entidade fria e irresponsável, não pré-sinalizando a carga explosiva celestial ou perigosa que leva ao seu destino.
Atente-se que muitos sms’s já me fizeram passar melhores ou piores noites, que entre o compasso de espera incerto que vai entre a emissão e a recepção dos seus conteúdos, já imaginei silêncios propositados, abandonos manifestos ou uma escolha mais demorada, porque mais criteriosa, de doces e quentes palavras que me incendeiem o coração.
No meu caso, a TMN, está-se rigorosamente nas tintas! Como patrão selvagem e desumano que entrega a carta de despedimento ao seu empregado, sem um alerta, uma palavra, um sinal de respeito pelo "outro", pelos seus problemas, pela sua vida pessoal e sobre as consequências daquela carta específica no seu presente e no seu futuro.
Posso até conceber que nestes tempos de comercialismo e liberalismo exacerbado se aproveitem da minha pessoa, das minhas sensibilidades e expectativas, cobrando-me um preço distinto consoante as mensagens que me são entregues. Um tarifário moderno e responsável que, garantindo a entrega mais célere das mensagens amorosas, com chilreios de pássaros e imagens de corações, me fizesse feliz e grata por pagar mais uns cêntimos pelas palavras sem preço que me dirijam. O que me custa a aceitar e me provoca a mais profunda indignação é que, ao mesmo preço, com o mesmo toque e com o mesmo compasso de espera, deixem que se infiltrem no meu telemóvel mensagens da vizinha ou mesmo do trabalho quando eu, ansiosa, aguardo os teus meigos recados.
Atente-se que muitos sms’s já me fizeram passar melhores ou piores noites, que entre o compasso de espera incerto que vai entre a emissão e a recepção dos seus conteúdos, já imaginei silêncios propositados, abandonos manifestos ou uma escolha mais demorada, porque mais criteriosa, de doces e quentes palavras que me incendeiem o coração.
No meu caso, a TMN, está-se rigorosamente nas tintas! Como patrão selvagem e desumano que entrega a carta de despedimento ao seu empregado, sem um alerta, uma palavra, um sinal de respeito pelo "outro", pelos seus problemas, pela sua vida pessoal e sobre as consequências daquela carta específica no seu presente e no seu futuro.
Posso até conceber que nestes tempos de comercialismo e liberalismo exacerbado se aproveitem da minha pessoa, das minhas sensibilidades e expectativas, cobrando-me um preço distinto consoante as mensagens que me são entregues. Um tarifário moderno e responsável que, garantindo a entrega mais célere das mensagens amorosas, com chilreios de pássaros e imagens de corações, me fizesse feliz e grata por pagar mais uns cêntimos pelas palavras sem preço que me dirijam. O que me custa a aceitar e me provoca a mais profunda indignação é que, ao mesmo preço, com o mesmo toque e com o mesmo compasso de espera, deixem que se infiltrem no meu telemóvel mensagens da vizinha ou mesmo do trabalho quando eu, ansiosa, aguardo os teus meigos recados.
quarta-feira, fevereiro 16, 2005
no nicho
Fui, por breves momentos, dona do céu e dos seus altares. Aos pés do deus único quis por ele ser perfeita. E fui tão perfeita quanto se pode ser perfeita. Mas os deuses não são perfeitos. Só se deixam adorar. Cobri-o de linho e seda. Dei-lhe água e vinho a provar. Falei-lhe de amor. Ensinei-lhe o presente e o futuro. Contei-lhe histórias de embalar. Desci-o do altar e amei-o o melhor que se pode amar. Mas os deuses não são homens. Não sabem viver na terra. A espaços tornei-me triste. Incompleta. Não é este o amor que quer uma mulher. Procurei um corpo mais humano e quis deixar-me adorar. Puseram-me num altar. Cobriram-me de linho e seda. Deram-me água e vinho a provar. Falaram-me de amor. Contaram-me histórias de embalar. Do presente e do futuro já não sei o que dizer. Nada tenho para ensinar. Trouxe comigo a maldição de ter sido purificada. Depois de ser perfeita já não posso ser mulher nem como mulher ser amada. Por amor ao deus único que não se deixa por mim amar, perdi talvez o condão de me querer deixar adorar. Fiz um nicho entre o céu e a terra, entre o deus e os demais e fico aqui resguardada, a medo defendida, por já não ser mulher nem perfeita, por maldição assim dividida.
terça-feira, fevereiro 15, 2005
quero ser carmelita
Dizia-me ontem a minha mãe «sabes quem se ajoelhou aos pés da irmã Lúcia pedindo-lhe conselhos para o seu filme? O Mel Gibson!». Meu Deus, pensei eu, afinal existem atractivos na vida de clausura.
Que o céu lhe possa ser assim também tão favorável, irmã...
segunda-feira, fevereiro 14, 2005
dia dos namorados
Não é o avançar dos anos que nos protege do amor mas o amor suaviza as marcas do tempo. Talvez por isso eu me sinta mais jovem...
A todos em geral, a dois em especial e a um muito em particular.
Obrigada.
A todos em geral, a dois em especial e a um muito em particular.
Obrigada.
sábado, fevereiro 12, 2005
amor circular
O meu amor por ti é circular. Círculo perfeito. Começa e acaba num só ponto. Pelas linhas redondas, circulares, abraça-te e contem-te. Umas vezes sublime de leveza, feito bola de sabão, ergue-se tão transparente quase ao céu, à ilusão. Outras vezes, forte, denso e pesado, circunferência de grilhão, amarra-me, dói e fere. Mas se olho o meu pé magoado e por mim tento chorar, é a tua dor que se chora por me teres querido magoar. É um amor redondo, sem princípio ou fim que se distingam, indistinto na liberdade e na fuga da solidão, confundindo amor e desejo, cobardia e coragem, texto, contexto e mensagem. É pois circular o meu amor, coeso, supremo, admirável, eterno ciclo que desmaia e aí mesmo se refaz.
quinta-feira, fevereiro 10, 2005
o engodo
A sabedoria da espera alimenta-a o virar dos anos. Na quietude das águas borbulha a energia estática da fé. Quando o peixe nos vem ao alcance do isco, rendido ao destino que crê ter escolhido, traz a ilusão de que a sua escolha se ficou a dever ao seu movimento. Só mais tarde, quando já aconchegado no colo das redes, poderá porventura perceber que jamais optou deixar-se pescar. Foi, outrossim, ao engodo de outra mais forte vontade.
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
os meus vícios
Os vícios são prejudiciais à saúde.
Tenho que deixar de fumar.
Tenho que deixar de te amar.
Na farmácia há pastilhas de nicotina mas o empregado não te chega aos calcanhares...
Tenho que deixar de fumar.
Tenho que deixar de te amar.
Na farmácia há pastilhas de nicotina mas o empregado não te chega aos calcanhares...
segunda-feira, fevereiro 07, 2005
let´s make a break
A importância dos intervalos não está no período que os medeia mas no seu fim.
Tal como o parênteses, um intervalo só é um intervalo quando termina.
Seja qual for a extensão do intervalo, a vida, tal como a prosa, deve continuar.
That´s all for now folk's.
(to be continued...)
Tal como o parênteses, um intervalo só é um intervalo quando termina.
Seja qual for a extensão do intervalo, a vida, tal como a prosa, deve continuar.
That´s all for now folk's.
(to be continued...)
terça-feira, fevereiro 01, 2005
óculos
Pela escada, degrau a degrau, questionava-se sobre a dimensão da realidade. A ascensão ou a descensão altera a perspectiva das coisas e das distâncias. A precisão da focagem afasta a sonolência e a preguiça. A própria imagem e a imagem dos outros. As cores e a luminosidade. Os óculos são o melhor amigo do homem.