O seu fundamento:
A gravidez não se interrompe. Finda-se.
Entendo que há vida em desenvolvimento desde a concepção até à morte.
O aborto é a morte produzida, voluntária ou involuntariamente, ao feto que se desenvolve no útero da mulher. Feto este que tem o seu genoma, o seu sangue diferente do da mãe, o coração que bate ao ritmo diferente do da mãe. Tem já em potência toda a individualidade que faz com que cada ser humano seja diferente e único.
A tentativa de desumanizar o feto, de dizer que ainda não chega a ser nada, que não sente, de lhe chamar “coisa humana”, é compreensível. É o mesmo processo que tem servido secularmente ao homem para aniquilar o seu semelhante: O inimigo não é humano, é inimigo; os judeus não eram pessoas, eram judeus; as bruxas não eram mulheres, eram bruxas; os pretos e os índios não eram humanos eram pretos e selvagens.
Este é o grande motivo pelo qual as pessoas se chocam com as fotografias dos fetos de dez semanas que por aí circulam.
É melhor que não saibamos o que está dentro de nós para que o aborto seja menos penoso.
Os argumentos jurídicos:
Face às excepções já previstas na actual lei, o aborto poderá ser praticado legal e livremente em caso de violação, em caso de mal formação do feto, em caso de se tratar de uma menor de dezasseis anos e em caso de constituir a gravidez grave perigo para a saúde física ou psicológica da mãe.
O que fica então de fora? Ficam de fora todos os casos em que a gravidez por motivos económicos, de crítica social ou de conforto não seja conveniente, não seja desejada.
Defendo que o Estado deve ter um papel mais interveniente, no apoio social, económico, na mudança de mentalidades, no planeamento familiar.
Existem dois momentos a distinguir na Lei: o da sua previsão e o da sua aplicação. Por isso não é hipocrisia que, à luz desta actual lei, a pena de prisão ainda não tenha sido aplicada. Significa apenas que a Lei está a ser aplicada casuisticamente e com bom senso.
Face ao actual Código Penal, quem, por exemplo, riscar um carro, poderá ser punido com pena de prisão até três anos. Pelo facto de não se mandar para a prisão nenhum jovem de 18 anos que risque um carro, a lei não está morta nem há qualquer hipocrisia na sua manutenção.
Com a despenalização total do aborto viveremos pois sob a alçada de um Estado, de uma Lei, de uma Justiça, que penaliza os crimes contra a propriedade e relega ao esquecimento, à banalidade, os crimes contra a vida intra-uterina.
Face à actual Lei, o feto tem direitos patrimoniais, ou seja pode, por exemplo, ser herdeiro e deixará no entanto de ter garantido o seu direito à vida.
O feto ficará irremediavelmente sem qualquer protecção jurídica.
A partir do momento em que se despenaliza o aborto a pedido da mulher, estamos a permitir que o direito à decisão de TODA e QUALQUER mulher sem necessidade de invocar qualquer motivo, se sobreponha ao direito à vida de todo o feto.
Passando o aborto a ser praticado a simples pedido da mulher, é ignorado o papel do pai. Se estivermos a falar numa gravidez existente na pendência de um casamento, o pai poderá querer ter o filho, estar disposto a criá-lo em condições favoráveis, mas não será ouvido. O direito da mulher à sua opção, prevalece quer sobre a vida do feto quer sobre o direito do pai.
Dos argumentos sociais e económicos:
Quando se diz que o aborto clandestino é um flagelo parece-me que o que é um flagelo é o próprio aborto e as condições de extrema miséria que algumas vezes a ele conduzem. Todavia entendo que não é a despenalização que vai resolver ou minorar o problema. E porquê?
Se muitas mulheres que são pobres tivessem efectivamente possibilidades de prover ao sustento dos seus filhos, continuariam a optar pelo aborto? Acreditando que algumas poderiam mudar de opinião parece-me que é criminoso que o Estado lhes ponha à disposição o aborto como solução mais fácil e menos dispendiosa. Não deixa de me chocar que continue a existir dinheiro neste País para a construção de estádios de futebol e que não haja dinheiro para a segurança social.
Por outro lado, o aborto que passará a ser praticado livremente, sê-lo-á em estabelecimentos legalmente autorizados. Conhecendo todos nós as actuais condições dos nossos hospitais e serviços médicos públicos, a discriminação prosseguirá continuando as ricas a ir ao estrangeiro ou aos hospitais e clínicas privadas e as pobres a levarem com as listas de espera e com as precárias condições de apoio (Isto caso vivam numa terra onde o actual governo ainda não tenha procedido ao encerramento das maternidades...).
Ou continuarão a optar pela parteira que lhes garante mais rapidez e mais privacidade?
A grande maioria das pessoas quando fala no assunto pensa intimamente no jeito que dá, no caso de uma gravidez indesejada, poder-se recorrer livremente ao aborto, sem quaisquer estigmas penais e/ou sociais para além dos que decorrem psicologicamente do acto praticado.
Ora, este estigma psicológico que fica à mulher que aborta, é não só resultado da sua natureza feminina que pende naturalmente para a maternidade mas é também resultado de uma educação em que o aborto era encarado como algo de mau, de ilegal, de proibido, com carácter excepcional.
Esta mentalidade será, a meu ver, irremediavelmente alterada com a despenalização pura e simples para as gerações vindouras. O feto já não será vida, ou pelo menos vida humana, será a tal “coisa humana” sem qualquer protecção ou direito a nascer.
Dos argumentos ideológicos:
Sou absolutamente contra a previsão de uma pena de prisão para qualquer mulher que recorra ao aborto. Defendo que a actual lei deve ser revista. Pena é, que o nosso Primeiro Ministro, numa atitude despótica, chantagista e nada democrática, tenha vindo dizer que, caso ganhe o não, a actual lei não será revista.
Entende-se esta posição do Sr. Sócrates:
Vão proliferar as clínicas privadas.
O Estado Português, ao optar pela despenalização, desresponsabiliza-se um pouco mais, afasta-se ainda mais do seu papel de prover aos mais desprotegidos. Às mulheres é dado o direito ao aborto. Como a todos os cidadãos portugueses é reconhecido o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à não discriminação sexual e racial, à segurança...
Da minha moral retrógrada:
Uma colega minha que a quatro meses do casamento optou pelo aborto para não chocar os pais e os sogros com a sua barriga proeminente no seu virginal vestido de noiva branco, poderá vir a explicar à filha que hoje tem, que a sua opção livre e moderna pela morte do irmão mais velho deixará de ser penalizada pelos atrasados obscurantistas e retrógrados que, como eu, apesar de pagarem do seu bolso os abortos que aí vêm, defendem que neste caso aquela criança deveria ter nascido.