sexta-feira, fevereiro 09, 2007

a minha retrógrada moral

O seu fundamento:
A gravidez não se interrompe. Finda-se.
Entendo que há vida em desenvolvimento desde a concepção até à morte.
O aborto é a morte produzida, voluntária ou involuntariamente, ao feto que se desenvolve no útero da mulher. Feto este que tem o seu genoma, o seu sangue diferente do da mãe, o coração que bate ao ritmo diferente do da mãe. Tem já em potência toda a individualidade que faz com que cada ser humano seja diferente e único.
A tentativa de desumanizar o feto, de dizer que ainda não chega a ser nada, que não sente, de lhe chamar “coisa humana”, é compreensível. É o mesmo processo que tem servido secularmente ao homem para aniquilar o seu semelhante: O inimigo não é humano, é inimigo; os judeus não eram pessoas, eram judeus; as bruxas não eram mulheres, eram bruxas; os pretos e os índios não eram humanos eram pretos e selvagens.
Este é o grande motivo pelo qual as pessoas se chocam com as fotografias dos fetos de dez semanas que por aí circulam.
É melhor que não saibamos o que está dentro de nós para que o aborto seja menos penoso.

Os argumentos jurídicos:
Face às excepções já previstas na actual lei, o aborto poderá ser praticado legal e livremente em caso de violação, em caso de mal formação do feto, em caso de se tratar de uma menor de dezasseis anos e em caso de constituir a gravidez grave perigo para a saúde física ou psicológica da mãe.

O que fica então de fora? Ficam de fora todos os casos em que a gravidez por motivos económicos, de crítica social ou de conforto não seja conveniente, não seja desejada.
Defendo que o Estado deve ter um papel mais interveniente, no apoio social, económico, na mudança de mentalidades, no planeamento familiar.
Existem dois momentos a distinguir na Lei: o da sua previsão e o da sua aplicação. Por isso não é hipocrisia que, à luz desta actual lei, a pena de prisão ainda não tenha sido aplicada. Significa apenas que a Lei está a ser aplicada casuisticamente e com bom senso.
Face ao actual Código Penal, quem, por exemplo, riscar um carro, poderá ser punido com pena de prisão até três anos. Pelo facto de não se mandar para a prisão nenhum jovem de 18 anos que risque um carro, a lei não está morta nem há qualquer hipocrisia na sua manutenção.
Com a despenalização total do aborto viveremos pois sob a alçada de um Estado, de uma Lei, de uma Justiça, que penaliza os crimes contra a propriedade e relega ao esquecimento, à banalidade, os crimes contra a vida intra-uterina.
Face à actual Lei, o feto tem direitos patrimoniais, ou seja pode, por exemplo, ser herdeiro e deixará no entanto de ter garantido o seu direito à vida.

O feto ficará irremediavelmente sem qualquer protecção jurídica.
A partir do momento em que se despenaliza o aborto a pedido da mulher, estamos a permitir que o direito à decisão de TODA e QUALQUER mulher sem necessidade de invocar qualquer motivo, se sobreponha ao direito à vida de todo o feto.
Passando o aborto a ser praticado a simples pedido da mulher, é ignorado o papel do pai. Se estivermos a falar numa gravidez existente na pendência de um casamento, o pai poderá querer ter o filho, estar disposto a criá-lo em condições favoráveis, mas não será ouvido. O direito da mulher à sua opção, prevalece quer sobre a vida do feto quer sobre o direito do pai.

Dos argumentos sociais e económicos:
Quando se diz que o aborto clandestino é um flagelo parece-me que o que é um flagelo é o próprio aborto e as condições de extrema miséria que algumas vezes a ele conduzem. Todavia entendo que não é a despenalização que vai resolver ou minorar o problema. E porquê?
Se muitas mulheres que são pobres tivessem efectivamente possibilidades de prover ao sustento dos seus filhos, continuariam a optar pelo aborto? Acreditando que algumas poderiam mudar de opinião parece-me que é criminoso que o Estado lhes ponha à disposição o aborto como solução mais fácil e menos dispendiosa. Não deixa de me chocar que continue a existir dinheiro neste País para a construção de estádios de futebol e que não haja dinheiro para a segurança social.
Por outro lado, o aborto que passará a ser praticado livremente, sê-lo-á em estabelecimentos legalmente autorizados. Conhecendo todos nós as actuais condições dos nossos hospitais e serviços médicos públicos, a discriminação prosseguirá continuando as ricas a ir ao estrangeiro ou aos hospitais e clínicas privadas e as pobres a levarem com as listas de espera e com as precárias condições de apoio (Isto caso vivam numa terra onde o actual governo ainda não tenha procedido ao encerramento das maternidades...).
Ou continuarão a optar pela parteira que lhes garante mais rapidez e mais privacidade?
A grande maioria das pessoas quando fala no assunto pensa intimamente no jeito que dá, no caso de uma gravidez indesejada, poder-se recorrer livremente ao aborto, sem quaisquer estigmas penais e/ou sociais para além dos que decorrem psicologicamente do acto praticado.
Ora, este estigma psicológico que fica à mulher que aborta, é não só resultado da sua natureza feminina que pende naturalmente para a maternidade mas é também resultado de uma educação em que o aborto era encarado como algo de mau, de ilegal, de proibido, com carácter excepcional.
Esta mentalidade será, a meu ver, irremediavelmente alterada com a despenalização pura e simples para as gerações vindouras. O feto já não será vida, ou pelo menos vida humana, será a tal “coisa humana” sem qualquer protecção ou direito a nascer.

Dos argumentos ideológicos:
Sou absolutamente contra a previsão de uma pena de prisão para qualquer mulher que recorra ao aborto. Defendo que a actual lei deve ser revista. Pena é, que o nosso Primeiro Ministro, numa atitude despótica, chantagista e nada democrática, tenha vindo dizer que, caso ganhe o não, a actual lei não será revista.
Entende-se esta posição do Sr. Sócrates:
Vão proliferar as clínicas privadas.
O Estado Português, ao optar pela despenalização, desresponsabiliza-se um pouco mais, afasta-se ainda mais do seu papel de prover aos mais desprotegidos. Às mulheres é dado o direito ao aborto. Como a todos os cidadãos portugueses é reconhecido o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à não discriminação sexual e racial, à segurança...

Da minha moral retrógrada:
Uma colega minha que a quatro meses do casamento optou pelo aborto para não chocar os pais e os sogros com a sua barriga proeminente no seu virginal vestido de noiva branco, poderá vir a explicar à filha que hoje tem, que a sua opção livre e moderna pela morte do irmão mais velho deixará de ser penalizada pelos atrasados obscurantistas e retrógrados que, como eu, apesar de pagarem do seu bolso os abortos que aí vêm, defendem que neste caso aquela criança deveria ter nascido.

15 Comments:

Blogger Alcabrozes said...

No fim de contas a tua argumentação acaba por generalizar ao falar em "coisa humana", como se essa fosse espelho do "SIM". não me parece bem, tu sabes.
Será a mesma coisa que eu dizer que os do "NÃO" são todos beatos hipócritas
Quanto ao dinheiro... também tenho que pagar o tratamento de pessoas que, apesar de saberem que os seus vícios são perniciosos, os mantêm, porque são livres...
Quanto às questões jurídicas são... palavras.
Acerca do Sócrates, só é pena que o "NÃO", desde 1998, só se tenha mobilizado numa alternativa à penalização da mulher agora a meia dúzia de dias do referendo...

5:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bastet,
O texto é límpido, sobretudo do ponto de vista jurídico.
E/Mas eu devo pertencer aos beatos hipócritas - :P - e continuo no meu retrógado "não".
(Logo eu, q me recuso veementemente a uma qquer maternidade!!)

Texto mto,mto bom!
*

6:26 da tarde  
Blogger Barão d'Holbster said...

Parabéns pela coragem.
Não vou comentar, acho que já conheces a minha posição de sobremaneira (no entanto aviso que ainda vou ter de te responder ao teu último comentário).
Existe uma grande diferença entre o meu post no meu blog e o teu respectivo comentário e este post aqui colocado no teu blog.
O teu blog é visitado por muito mais pessoas. Por pessoas que gostam de comentar.
Isto quer dizer muito mais opiniões, e opiniões sempre muito ferventes.
Isto vai ser giro…

7:24 da tarde  
Blogger Erecteu said...

Tiro o chapéu à forma como argumentas e defendes o não, na generalidade.

Não estou de acordo quando afirmas:
a)
"Pena é, que o nosso Primeiro Ministro, numa atitude despótica, chantagista e nada democrática, tenha vindo dizer que, caso ganhe o não, a actual lei não será revista."

Porque se uma maioria disser:
"NÃO concordo com a despenalização da interrupção vuluntária da gravidez... (o aborto)",
seria ILEGÍTIMO despenalizar o acto. Simples e claro, a meu ver.

b)
"Entende-se esta posição do Sr. Sócrates:
Vão proliferar as clínicas privadas.(...)
sujeres que o Sr. se prepara para meter algum guito ao bolso?

c)
(...)O Estado Português, ao optar pela despenalização, desresponsabiliza-se um pouco mais, afasta-se ainda mais do seu papel de prover aos mais desprotegidos. (...)
Pelo contrário! FICARÁ OBRIGADO a acompanhar e tentar "dissuadir" atrvés de prévio acompanhamento as pobres mães e,
com o devido respeito que a nossa inteligencia merece, NADA GARANTE OU PROVA que haverá mais interrupções, pelo contrario.

GANHE O NÃO E FICARÁ TUDO NA MESMA, ou melhor, FICARÁ PIOR porque os tribunais terão a indicação de que a maioria dos portugueses, NÃO CONCORDA COM A DESPENALIZAÇÃO, passando a ter mais força e obrigação de agir em conformidade com a lei.

Três beijinhos porque: gosto de ti (um), porque apreciei a tua coragem e frontalidade (dois), porque dizem que há para aí um código de beijinhos que eu não usaria aqui (três)

11:51 da tarde  
Blogger batista filho said...

hoje passo e só deixo o meu abraço fraterno e... como é possível, com um post/assunto como esse passar e só deixar um "abraço fraterno"?... bem, tentarei explicar:
1) todas as vezes que por aqui passar, mesmo que não o diga, em espírito estarei te abraçando fraternalmente;
2) pela complexidade e polêmica envolvidas no assunto aqui tratado, sinto que o carinho a ti depositado terá que ser maior, bem como a luz e serenidade em todas as pessoas que quiserem comentar;
3) com mais tempo voltarei para opinar... enquanto isso,

deixo mais um abraço fraterno, solidário e carinhoso para minha querida amiga Bastet!!!!!

3:41 da tarde  
Blogger vague said...

excelente texto, mto bem argumentado.
estou a ponderar bastante, não é fácil. não me identifico completam/ com qq posição mas pendo mais p/ o não, por uma série de questões e algumas estão em sintinia com as tuas, q deixarei num texto mais logo,
beijinhos querida bastet.

4:05 da tarde  
Blogger CC said...

Ó sr. Erecteu, não acha que é ilegítimo que o Estado tente «dissuadir através de prévio acompanhamento as "pobres" mães» que querem abortar o seu filho? De onde é que se conclui isso da pergunta do referendo? Então não basta o pedido da mulher? Tem de pedir por favor, é?

E de onde lhe vem a ideia que não aumentará o nº de abortos? Terá Portugal alguma característica própria que faça contrariar o que se passou nos primeiros 10 anos, em todos os países onde a aborto foi despenalizado (de "apenas" 4 vezes mais, como na Grécia, para 10 vezes mais, como em Espanha)?

Cinco beijinhos para si.

10:55 da tarde  
Blogger CAP said...

Um beijinho (um só), Bastet! :)

5:29 da tarde  
Blogger Nino said...

Assim Sim.

9:23 da tarde  
Blogger Erecteu said...

CC,
No meu coment, dissuadir está entre comas. Sintetizei que há o dever de acompanhar uma mulher que de alguma forma fragilizada possa assumir a maternidade sem no entanto ser a isso forçada.

Nada prova que aumente o nº de abortos pela simples razão de que, sendo este clandestino, como é que quantificamos o nº de abortos feitos no último ano? Eu não lhe sei dizer, CC ou Sr(s).(Tiago Cavaco josé Miguel Marujo Paulo Ribeiro cbs David Bengelsdorff Miguel João Marques Samuel Úria)

Fica uma cesta de beijinhos para distribuirem da melhor maneira.

1:31 da manhã  
Blogger Erecteu said...

Bastet,
Os dados estão lançados.

Venho aqui cumprimentar-te com toda a consideração pelo elevado modo como soubeste defender o teu pensamento num espaço que me pareceu mais favorável a opinião diferente da tua.

O meu empenho na luta não terminou hoje.
A questão que até aqui foi de consciência passa a ser do dominio político.
O estado tem agora a OBRIGAÇÃO:
- de apoiar as mulheres contra o flagelo do aborto clandestino;
- de promover condições de dignidade para as mulheres que decidirem interromper a gravidez;
- de criar estruturas de aconselhamento e apoio, bem como de implementar a educação sexual.

Um sincero e carinhoso beijinho.

1:44 da manhã  
Blogger Carreira said...

Cara Bastet
esperei até hoje para fazer o comentário ao texto que aqui escreveste! Não considero, como referiram aqui, que foi duma ENORME coragem postar sobre as nossas convicções. Porque é que votar não é de enorme coragem? Gostava de um dia perceber... Eu votei não, votaria não novamente por todas as razões que enunciaste, com as quais me revejo. De facto, acho que a regra não deve ser o aborto, mas sim a excepção. Toda a argumentação usada é duma excelência que, infelizmente, não assisti em alguns dos programas televisivos que foram transmitidos aquando da campanha pré-referendo. Considero que a nossa sociedade não está minimamente educada para uma liberalização do aborto até às 10 semanas de gravidez. Uma prova? A abstenção no referendo chega? Para mim é sintomático...
Obrigado pelo texto, pois considero que a génese deste post começou num outro espaço (ou talvez não...)! Este vai ser um espaço que visitarei recorrentemente!

3:17 da manhã  
Blogger batista filho said...

há necessidade de se dizer o óbvio. cale um pai ou uma mãe o "eu te amo", para a filhotada...
há-de se ter coragem pra ser simplesmente quem somos. só... num mundo que nos cobra, nos força a ser o que alguns gostaríamos que fóssemos.
"viver é um risco". vivamos esse risco.
tu, querida Bastet, és maravilhosa! sinto-me imensamente feliz por te conhecer, por poder te chamar Amiga.
um beijo carinhoso pra ti.

11:54 da manhã  
Blogger spring said...

Olá!

Se gostas de cinema vem visitar-nos em

www.paixoesedesejos.blogspot.com

todos os dias falamos de um filme diferente

Paula e Rui Lima

9:59 da manhã  
Blogger Mónica said...

não li tudo, sou preguiçosa :-), li o primeiro e ultimo paragrafo, versão retrogada, amiga cretina

10:04 da tarde  

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