quarta-feira, janeiro 31, 2007
segunda-feira, janeiro 29, 2007
quem tudo quer perder
Poder-se-ia contentar com o normal desenrolar dos dias que, sendo de feição, eram mais sustentáveis que um qualquer futuro mais ou menos definido. Esta lassidão, tão conforme às suas mais íntimas insuficiências, desgostava-a todavia. Ou talvez não fosse bem desgostar-lhe, mas antes o medo de se acomodar ao incerto. Porque lhe faltava o pulsar do verdadeiro conhecimento, faltava-lhe um genuíno interesse pela vida. Calhar-lhe-ia por bem resolvê-la, para que deixasse de constituir um problema.
Senhora de aparentes contrastes, catalogadora assertiva dos alheios comportamentos, redutora dos heróis à categoria de risíveis seres humanos, não se lhe adivinharia no cinismo tamanha e crónica apatia. E no entanto, assim o era. Buscando no outro o que lhe faltava e emprestando o que não tinha, ia intimamente exigindo promessas para forjar de esperanças as suas lacunas.
O mundo era de gente especializada. Especialistas vários. Gente que se ocupava dos detalhes com detalhe, que punha esmero e dava sentido ao que lhe parecia infinitamente aborrecido.
Pela rama, a talhe de foice, analisava o destino das coisas, rematando com esgares de quem sabe mais que o que diz, impressionando com estas reticências as incautas audiências. Porque para tudo era preciso um esforço adicional. Um mais não sei o quê que lhe tinha sido amputado do carácter. E isto, que era o mais irritante que conhecia de si própria, era a essência da sua verdade. Veja-se o que daqui se extrai: uma inegável adaptação às circunstâncias; um arrogante silêncio; um incómodo laxismo; um estuporado facilitismo; uma ansiedade constante entre o que queria merecer e o que julgava ter merecido. E só esta ansiedade, mais do que qualquer coragem, a impelia à descoberta. Conceda-se porventura num desconforto com a monotonia, quando as emoções já se esbatiam e a falta de alegria lhe trazia aos olhos algumas lágrimas de arrependimento. Mas o torpor era mais fácil. E até ao sofrimento é possível haver hábito quando a mudança requer um passo.
Agora, tão perto do que julgava querer, surpreendia-se com as irónicas coincidências do destino. Ninguém que lhe pegasse ao colo, ou que lhe trouxesse ao peito a chama ardente de uma vontade superior. Antes alguém que, como ela, se revolvia em revoltas com o vazio, o mesmo aflitivo desejo do nada, o mesmo imerecimento de tudo. Mas por ele desejava arrastar os pés em conjunto, nas semelhantes e curiosas afinidades. Jurava abismada este amor incompreensível, mas entre o que tinha de real pela primeira vez, precipitava-a o medo ao desejo de um rápido fim.
Senhora de aparentes contrastes, catalogadora assertiva dos alheios comportamentos, redutora dos heróis à categoria de risíveis seres humanos, não se lhe adivinharia no cinismo tamanha e crónica apatia. E no entanto, assim o era. Buscando no outro o que lhe faltava e emprestando o que não tinha, ia intimamente exigindo promessas para forjar de esperanças as suas lacunas.
O mundo era de gente especializada. Especialistas vários. Gente que se ocupava dos detalhes com detalhe, que punha esmero e dava sentido ao que lhe parecia infinitamente aborrecido.
Pela rama, a talhe de foice, analisava o destino das coisas, rematando com esgares de quem sabe mais que o que diz, impressionando com estas reticências as incautas audiências. Porque para tudo era preciso um esforço adicional. Um mais não sei o quê que lhe tinha sido amputado do carácter. E isto, que era o mais irritante que conhecia de si própria, era a essência da sua verdade. Veja-se o que daqui se extrai: uma inegável adaptação às circunstâncias; um arrogante silêncio; um incómodo laxismo; um estuporado facilitismo; uma ansiedade constante entre o que queria merecer e o que julgava ter merecido. E só esta ansiedade, mais do que qualquer coragem, a impelia à descoberta. Conceda-se porventura num desconforto com a monotonia, quando as emoções já se esbatiam e a falta de alegria lhe trazia aos olhos algumas lágrimas de arrependimento. Mas o torpor era mais fácil. E até ao sofrimento é possível haver hábito quando a mudança requer um passo.
Agora, tão perto do que julgava querer, surpreendia-se com as irónicas coincidências do destino. Ninguém que lhe pegasse ao colo, ou que lhe trouxesse ao peito a chama ardente de uma vontade superior. Antes alguém que, como ela, se revolvia em revoltas com o vazio, o mesmo aflitivo desejo do nada, o mesmo imerecimento de tudo. Mas por ele desejava arrastar os pés em conjunto, nas semelhantes e curiosas afinidades. Jurava abismada este amor incompreensível, mas entre o que tinha de real pela primeira vez, precipitava-a o medo ao desejo de um rápido fim.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
tabagismo
Há muito tempo ouvi uma história que me encantou. A de um velhote que, já na casa dos noventa anos e na última manhã em que acordou para esta vida, soube que seria nesse preciso dia que iria morrer. Vestiu o seu melhor fato e sentou-se na sua poltrona à espera da morte. Ela não tardou. Veio e levou-o de mansinho. Esta é a chamada morte santa. Aquela a que qualquer um ambiciona. Bem diferente da que os meus cigarros e a minha asma me prometem. Mas como de promessas está o inferno cheio, quem sabe se, antes da asfixia final, não haverá um último cigarro de prazer que no meu sofá me transporte ao céu, porque quem fuma com tanta devoção, eu acho que até merece!
segunda-feira, janeiro 22, 2007
umbiguismo
Quem me dera ter um umbigo maior! Que me enchesse o ventre e o ego das imagens dos meus perfis. Tão grande e redondo que me apertasse o coração. Que me contraísse aurículas e ventrículos a ínfimas cavidades mesquinhas. Onde o sangue circulasse só para lhe dar a vida. Um umbigo de força centrípeta. Majestoso. Pois quem me dera um umbigo assim! Para que vivesse em função dos seus roncos solitários de auto-compaixão. Para que visse o mundo a girar ao seu redor, e o sol a pôr-se, e a lua a levantar-se, em vénias e solenes continências. O meu corpo marchando à sua ordem. A minha boca matando a sua fome. Ai! quem me dera um umbigo mais à moda. Ostentar-lhe a vaidade pela rua. Passear-lhe os desvarios pelas montras das largas avenidas. Aliviá-lo do fastio dos outros. Acalentar-lhe o digno sofrimento com promessas. Acariciar-lhe as concêntricas e insaciáveis pregas. E cegar, cegar este meu espanto tão cansado que me dói.
quarta-feira, janeiro 17, 2007
sexta-feira, janeiro 12, 2007
um tempo para tudo
Para andar por aí de mão colada na banda do teu casaco, receber o chocolate frio da manhã na tua boca morna, abraçar-te o peito e espalhar nele a minha face, desenhar-te um mapa de beijos no ventre e demorar-me. Voltar a última página de um livro e repensar as coincidências. Dizer que valeu a pena. E recomeçar. Sem a urgência do tempo que acaba. Contar a suspensão dos segundos em sorvos pequenos e guardar as linhas dos folhetos de cinema. Como pode alguém apressar-se entre as sinuosas curvas de um momento que acontece? No hálito fresco das preces dos Sigur Rós?.
Móðir vor sem ert á jörðu, Heilagt veri nafn þitt.Komi ríki þitt, Og veri vilji þinn framkvæmd ur í oss, Eins og han er í þér. Eins og þú. Sendir hvern dag þína englaSendu þá einnig til oss. Fyrirgefið oss vorar syndir, Eins og vér bætum fyrirAllar vorar syndir gagn- vart þér. Og leið oss eigi til sjúkleika, Heldur fær oss frá öllu illu, því þín er jörðin Líkaminn og heilsan. Amen."
"Mother earth
Our Mother, who art in Earth, hallowed be Thy name. Thy kingdom come. Thy will be done on us as it is in you. As you send Thy angels every day, Send them to us aswell and forgive us our trespasses as we forgive those who trespass against You. And lead us not into sickness, but deliver us from evil, because yours is the earth and the body and the health Amen."
Our Mother, who art in Earth, hallowed be Thy name. Thy kingdom come. Thy will be done on us as it is in you. As you send Thy angels every day, Send them to us aswell and forgive us our trespasses as we forgive those who trespass against You. And lead us not into sickness, but deliver us from evil, because yours is the earth and the body and the health Amen."
sexta-feira, janeiro 05, 2007
com um anjo às costas
Ela queria expurgar os fantasmas. Entregá-los à inquisição dos espíritos. Tentou o aspirador sem grande resultado, os gajos fugiam do saco do lixo e deixavam pegadas pelo chão da cozinha. O pior eram os risos. Risos de fundo que lhe martelavam nas têmporas. Lavou tudo com amoníaco até o cheiro de limpeza se instalar nos bancos. À mesa os tipos reuniam a comissão de assuntos urgentes, deixando as correntes pendentes nos mosaicos. Que irritante saber que eles não existiam. Gostaria de os correr à vassourada. Interpunham-se nos momentos decisivos, recordando-a de pechas antigas e dilacerantes. Caramba!, mas porquê logo agora? - quando acreditava que se haviam esfumado com a última vela de cheiro a incenso. Diabinhos persistentes! Puxavam-lhe a barra da saia e entoavam antigas cantilenas. Pôs cravinho no polvo antes de o cozer na panela de pressão. Quando a fervura fez estremecer o apito ela estava ao rubro. Um demónio gorducho afivelara-se ao seu jantar deixando cair por terra um fantasmagórico véu de noiva eterna e defunta. Pensou em afogá-los na grande banheira entre as marcas dos afagos da última noite. Enquanto engoliam as últimas bolhas de sabão da espuma de rosas hidratante, olhou para o seu corpo com alívio. Há lá fantasmas que resistam a tanta sedução?! Recolheu-se à ampla cama de ferro e adormeceu com um anjo às costas.
quinta-feira, janeiro 04, 2007
o dia novo
Foi então que remexi no meu corpo em busca de fé. Quando nas ruas tentava perceber um qualquer caminho. Quando os telhados choravam ao sol um Verão imenso, fartos de um calor que eu não sentia. Agradecia à velocidade do tempo quando a noite não fazia nenhuma promessa, acalentando apenas a certeza de mais um dia terminado, na inata sabedoria de quem sobrevive. Depois a alma caleja. Quando transpõe as dores dos sapatos de pedra. E já não soçobra pela manhã quando não festeja a vida. Anda assim moribunda numa pré convalescença. Cambaleante pelas mágoas que lhe infligem até à dor lhe ser quase indiferente. Foi há tanto tempo que nem me lembro do primeiro dia novo. Talvez porque me obriguei ao esquecimento. Talvez porque a raiva nunca me venceu. Ou porque a pedra filosofal da cura é o amor, e esse, a par da fé, nunca chegou a perder-se de mim.
terça-feira, janeiro 02, 2007
desta nova eternidade
Recordo vagamente uma distância dolorosa que venço hoje com a proximidade que me ofereces do teu corpo. Até ao assombro desta nova eternidade. Disseste-me há uma vida atrás que não receava a liberdade. Como nunca recearei o amor. É porque sabes, em verdade te digo, como nós, andam ambos de mão dada.