terça-feira, junho 27, 2006
Pendente que estou para o silêncio, orgulho-me do que não digo. Passei a fase da aprendizagem do não – tê-la-ei passado? – essa pérfida palavrinha que vinca a personalidade pelo risco do afastamento dos outros e estou agora a braços com uma crise de soluços de palavras. É assim como deixar de fumar, aborta-se a frase à boca dos lábios, ciente do terrível esforço da minha contenção, enquanto se olha com raiva invejosa para quem infantil e despreocupadamente exerce o acto da verbalização com inconsciente liberdade, ali mesmo, logo na mesa ao lado. É um acto de crescimento tardio, uma espécie de sexo tântrico da linguagem, guardando o orgasmo da frase certa para a altura do “já não posso mais”. Ora, esta altura precisa, tem retardamentos variados. Na minha boca as palavras tinham ejaculação precoce. Vinham-se abundantes de opiniões mais ou menos sarcásticas ou sentidas, à menor e mais incipiente estimulação. Esta sexualidade adolescente do meu Português trouxe-me alguns dissabores mas também não raras alegrias. E não é o balanço dos resultados que me impele a esta desintoxicação ou, na mesma linha metafórica, a esta cópula paciente e cautelosa. É um novo mais velho olhar sobre o mundo, uma diferente valoração do que me rodeia. Como não se leva à cama qualquer desajeitado amante, não se traz ao som qualquer ideia. Aprendo o gozo de contrair a língua para que não se solte ante quem não a merece, como a virgem inocente ou a mulher sábia e completa se guardam para o momento exacto do desejo. Esta prática é sofrida mas frutuosa e vou contabilizando feliz o que me fica por dizer. Ainda hoje não mandei ninguém à merda e se o fizer, estou confiante, é porque afinal não sou frígida nem de ferro.
segunda-feira, junho 26, 2006
o sentido da vida
Reside nos seguintes conceitos:
Liberdade - não fazer o jantar
Contestação - pôr a roupa na máquina de secar num dia de sol
Prazer - adormecer no sofá
Utopia - adormecer a minha filha às 21.30 horas
Literacia - ler três páginas de um livro antes do "prazer"
Cultura - postar no blogue
Luxo - conseguir levar semanalmente à prática duas das anteriores loucuras
arghhhhh!!!
Liberdade - não fazer o jantar
Contestação - pôr a roupa na máquina de secar num dia de sol
Prazer - adormecer no sofá
Utopia - adormecer a minha filha às 21.30 horas
Literacia - ler três páginas de um livro antes do "prazer"
Cultura - postar no blogue
Luxo - conseguir levar semanalmente à prática duas das anteriores loucuras
arghhhhh!!!
quarta-feira, junho 21, 2006
este meu filho
segunda-feira, junho 19, 2006
aliterações
Entro por ti a dentro batendo a porta - Paf! - gosto de aliterações. Tu receias a invasão do teu corpo e fechas as portadas. Melhor no escuro - penso eu - apesar da luz fosca te incendiar o peito. Revolvo-te as axilas e encontro os meus dedos a fugirem-me das mãos. Tamborilam uma leve percussão no teu sexo. Não era para ser agora. Afinal temos tempo. Divirto-me com o teu mindinho do pé. Sou deveras infantil. Faço-te cócegas ao avesso para te ver fugir de mim. Tropeças no teu desejo e voltas atrás. Desapareces entre as minhas coxas mas sei que te ris do meu desmaio. Ficas bonito a olhar-me de soslaio quando procuras o pudor da minha consciência. Olhamos o tempo lá fora e ficamos calados. Sabes tão bem quanto eu que está a chover. Adiantará dizer-te que está frio se os meus seios anunciam a tempestade? Trazemos a intempérie aos lençóis para que se lavem depois do pecado. Deixaste o rádio ligado e só agora me apercebo do som. Provo-te o sabor porque acredito poder alimentar-me assim. Há já tempos que te digo que nos bastamos. Apanho o último suspiro e ponho-o no teu ouvido. Dizes que faço amor em surdina mas que guardo gritos no útero. Tiro-te de mim e deito-me ao teu lado. Poderia ser sempre igual não fosse o prazer da diferença. Trago o peso da tua perna às minhas costas para que me aqueças a tarde. Repetem-se os movimentos circulares das bátegas – plim, ploft – como rezas profanas. Tudo o mais se abençoa no mudo sono vencedor.
terça-feira, junho 13, 2006
o amor é áspero
sexta-feira, junho 09, 2006
os acentos nos és
Vamos por os acentos nos és. Para que se afirmem. Para que não sejam i nunca mais. Estou em fase afirmativa. É desta maneira - a que aponto - declarada, positiva, solene, que o digo: Não às continuidades absurdas. Esses intermináveis elos de ligação do passado ao futuro, que arrastam consigo misérias, hábitos, familiaridades confortáveis. Prolongamentos doentios de partidas medíocres. Não quero jogar a terceira parte de nenhum campeonato. Há quem viva desses is bolorentos. Longos parágrafos sensaborões sem o corte revolucionário, a sedução da frase curta. Ah! a pimenta que tem um é! Vejam que os acentos dão sal às palavras, que estas são a salada da vida. Não gosto do e depois. Já me cansa. Já me enfastia. Por mim rabiscava-os a todos de forma aguda. É depois do acento que a vida acontece. Doravante hei-de grafitar os és. Porque as minhas palavras são minhas, posso dizer-vos que é assim.