terça-feira, junho 27, 2006

o sexo das palavras

Pendente que estou para o silêncio, orgulho-me do que não digo. Passei a fase da aprendizagem do não – tê-la-ei passado? – essa pérfida palavrinha que vinca a personalidade pelo risco do afastamento dos outros e estou agora a braços com uma crise de soluços de palavras. É assim como deixar de fumar, aborta-se a frase à boca dos lábios, ciente do terrível esforço da minha contenção, enquanto se olha com raiva invejosa para quem infantil e despreocupadamente exerce o acto da verbalização com inconsciente liberdade, ali mesmo, logo na mesa ao lado. É um acto de crescimento tardio, uma espécie de sexo tântrico da linguagem, guardando o orgasmo da frase certa para a altura do “já não posso mais”. Ora, esta altura precisa, tem retardamentos variados. Na minha boca as palavras tinham ejaculação precoce. Vinham-se abundantes de opiniões mais ou menos sarcásticas ou sentidas, à menor e mais incipiente estimulação. Esta sexualidade adolescente do meu Português trouxe-me alguns dissabores mas também não raras alegrias. E não é o balanço dos resultados que me impele a esta desintoxicação ou, na mesma linha metafórica, a esta cópula paciente e cautelosa. É um novo mais velho olhar sobre o mundo, uma diferente valoração do que me rodeia. Como não se leva à cama qualquer desajeitado amante, não se traz ao som qualquer ideia. Aprendo o gozo de contrair a língua para que não se solte ante quem não a merece, como a virgem inocente ou a mulher sábia e completa se guardam para o momento exacto do desejo. Esta prática é sofrida mas frutuosa e vou contabilizando feliz o que me fica por dizer. Ainda hoje não mandei ninguém à merda e se o fizer, estou confiante, é porque afinal não sou frígida nem de ferro.

11 Comments:

Blogger A Tendinha said...

Às vezes bem que apetece... ;)

2:45 da tarde  
Blogger Softy Susana said...

minha querida,
apesar das vantagens óbvias de retardar esses orgasmos verbais, devo dizer que a mim me faz muito mais feliz tê-los a cada instante. Detesto deixar coisas por dizer. Digo tudo, como os malucos. e até esses me entendem melhor, quando me ouvem verborrar à vontade, antes até de me aperceber que o vou fazer. Acho que, nesse aspecto, serei eternamente adolescente, com orgasmos verbais precoces.
;)
beijinhos

3:14 da tarde  
Blogger batista filho said...

Nessa abordagem ensejas que desatemos a língua mais que de costume - numa enxurrada verborrágica (risos).
Um abraço, amiga.

5:10 da tarde  
Blogger Mar said...

Gostava muito de atingir esse tantra verbal, linda...Ainda sou daquelas ali como a susana. ;-)

9:33 da tarde  
Blogger admin said...

Retiro o que disse. Ou antes, retiro o que não cheguei a dizer a propósito de "o amor é áspero", alguns 'posts' abaixo. Retiro o que então não disse por pensar agora que não se justificaria publicar dezoito volumes a explicar o inexplicável, deixando a seguir o entendimento igualmente confuso e descrente das suas propriedades. Como qualquer outro, leio no que leio o que quero ler. Não sei que compreensão pode haver para o silêncio. Geralmente não é justo nem cintilante; não derruba e também não acomoda. Mas, agora que falaste desse jejum que espera serenamente o momento do banquete, fiquei a pensar nos silêncios que fazem bela a verdadeira música. Não interessa, portanto, saber o porquê. Basta que, subitamente, a importância regular das coisas já não seja imposta pela força da intensidade mas pela diversidade do pormenor. Como se por momentos deixássemos de viver no império do número e a comparação não fosse a maior das metáforas. É bom podermos retirar o que dissemos mesmo que o não tenhamos dito ou mesmo pensado. O amor é áspero mas também se amacia no sexo das palavras.

11:44 da tarde  
Blogger Bastet said...

É pois Noite, apetece e de que maneira :)

Softy e Mar: eu ainda estou em período de aprendizagem e, pelo meu feitio, acho que vai ser longooooo!

:) Obrigada Batista, deixemos sim as palavras correrem férteis para quem as entende!

Caro ikivuku, vejo que houve mais um equívoco mas agora, pergunto eu, o que faço aos dezasseis volumes quase completos dos dezoito que havias encomendado? :)

5:04 da tarde  
Blogger Português desiludido said...

O tempo facilita-nos muito esses exercícios....
Bj
Pedro

9:09 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Invective-se, Invective-se! :P*

10:53 da tarde  
Blogger forass said...

Deixa lá, ao menos não apanhaste nenhuma doença grave...

11:30 da manhã  
Blogger Elipse said...

com que então andas numa de palaveado tântrico.
Estás no bom caminho!
Mas não descures a parte prática porque o todo o significado tem um significante.

9:01 da tarde  
Blogger Alcabrozes said...

Gosto de mamilos!
Pronto já disse!
pedro a.

4:32 da tarde  

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