Os homens têm uma certa tendência a complicar tudo quanto se lhes afigure semelhante a um processo mecânico. Algo nos genes masculinos, mesmo nos mais inábeis no que à mecânica se refere, clama por uma chance de aplicar uma lógica qualquer, a que nós, mulheres, somos completamente indiferentes.
Chamava eu um amigo para me dar uma ajuda perguntando-lhe, o que de resto lhe pareceu um absurdo, se tinha uma radiografia que me pudesse emprestar. Apesar da sua estupefacção, lá compareceu à minha porta armado de uma fotografia de raio x às suas vértebras, ainda meio desacreditado do destino que eu lhe pretendia emprestar. Confrontado com o meu drama pessoal - eu acabara de fechar a porta da rua com a chave por dentro - e não satisfeito pelo primeiro erro grave que cometeu de imediato ao recusar à minha filha o acesso à sua radiografia alegando, jocoso, que tinha vergonha porque estava nu, ofereceu-se, amavelmente, para tentar levar a cabo a tarefa que eu lhe propunha: tentar abrir a porta fazendo passar a radiografia pelo trinco.
Aí começou a complicação masculina habitual: porque o trinco era um triângulo e de forma que a radiografia tinha que entrar enviesada, porque a parte arredondada do triângulo estava para dentro, porque o ângulo de curvatura da dita tinha que ser transversal- ou seria oblíquo? - ao trinco, e o diabo a sete. Já o rapaz suava e tinha o casaco pendurado na porta do elevador quando eu, vendo o seu desespero, resolvi ir a casa da minha mãe buscar a chave suplente que lá tenho guardada, consciente, todavia, de que de nada me serviria uma vez que a outra chave estava por dentro. Mas, pensei eu, o importante é retirar o rapaz daqui antes que ele comece a desenhar no chão os planos de ataque da radiografia ao filho da mãe do trinco. Regressados de casa da minha mãe, já com a chave suplente na mala, tentei abrir a porta e, tal como eu esperava, sem resultado. Aí passei-me! Fazendo ouvidos de mercador aos reparos masculinos sobre a forma como eu metia a radiografia na frincha da porta, enfiei a dita à bruta, puxei com força para baixo e... voilá!, a porta abriu-se.
À cautela, resolvi guardar a radiografia, para futuras necessidades, no porta bagagens do carro. Dado o atraso da hora, o meu prestável amigo foi buscar o filho para jantarmos todos juntos. Quando finalmente nos sentávamos à mesa com uns hambúrgueres à frente, sai-se a minha filha para o filho dele:
- Sabes que a minha mãe tem uma fotografia do teu pai todo nu?
Não sei o que foi mais engraçado, se a cara do pai se a cara do filho ou se a cara da minha filha deliciada pela reacção que conseguiu provocar. Uma coisa é certa, as costelas do rapaz ainda estão no meu porta bagagens e, se algum dos meus leitores se vir em similar assado, é bem vindo a reclamar os meus préstimos porque, apesar de não perceber nada de mecânica, levo jeito em arrombamentos.