quarta-feira, julho 11, 2007

regresso

Pela janela entrou a manhã como se fosse habitual. Bom dia!, bom dia! - e era um dia bom para começar. Panela ao lume, ventre na pedra mármore e pés agrilhoados em chinelas de tiras. Hoje, hoje é o dia de mudar. Turras de gatos e arfar de cães; malgas de comida, tigelas de água. Pegadas de pó no soalho fresco. Lixívias e detergentes, panos e baldes. Saudades de uma avó morta que repetia estes gestos num quintal de calçada portuguesa. Talvez o seu espírito more nesta bata antiga e no som do amolador de facas. Ou nas ervas de cheiro que despontam do barro, escondendo a terra a que se agarram. E a mão perdida no grande bolso frontal, procurando o lencinho de pano às flores. E ela pequena, miúda, fazendo almoços para bonecas de trapo, escudada pelas gerações de mulheres que lentamente fizeram a revolução. Em quintais semelhantes, com rotinas desprendidas e íntimas das sabedorias do tempo. Agora fazia-se a hora ao bater dos ponteiros rápidos dos segundos. As manhãs já não eram como antes. Quando a saudade raspa os sentidos desta forma áspera, só a perdida segurança de uma infância latente nos segura. Nos identifica. Então é tempo de mudar. Agarrou a manhã como se fosse habitual. Tirou a panela do lume, a barriga da bancada e de pés soltos entrou na máquina do tempo.

terça-feira, julho 10, 2007

the soaked lamb

Fui surpreendida com a oferta do cd dos The soaked lamb. Na impossibilidade de estar presente no último concerto, o outro elemento que comigo fundou e abrilhanta a claque oficial de Sintra deste magnífico grupo, num gesto de carinhoso altruísmo, alegrou-me as viagens que agora decorrem mais suaves ao som dos blues.

segunda-feira, julho 02, 2007

quem espera...

Teceu os dias numa sala de espera. Num fuso imaginário. Laçando horas e fios de meadas sonhadoras. Aguardou a vez que nunca chegou, entrelaçando os cabelos mais escassos e brancos com os gestos da rotina. Acreditou no dia em que a sorte passaria à sua porta e nesse dia chegou-lhe a morte. Abandonou-se incrédula ao tempo que passara e à juventude roubada entre paredes de esperança. Cruzou os braços à última viagem. A certeza que negara, na gorada expectativa de um vislumbre de amor, era o fim único da sua escusada paciência.