Como em tudo na vida - pensava com os seus botões a precisarem de reforço - há um tempo, uma história aparentemente eterna de que só nos apercebemos da sua fragilidade quando nos defrontamos com o seu fim.
Sentado no chão lembrava já sem mágoa o seu caminho. Esta é a vantagem dos anos, colocarem-nos como espectadores na tela do nosso passado, com a emoção controlada de quem já só assiste e revive. Já não havia
Dulcineia que quisesse ser por si salva nem Sancho, por mais Pança que fosse, que fizesse seu o seu caminho. E com que bravura inocente e acreditada fizera frente às suas batalhas e inculcara nos outros os seus ideais. Ria-se agora desta
inflamação juvenil. Pudessem vê-lo aqui sentado como quem já interiorizou a desfaçatez escusada das antigas pelejas. E com que propósito afinal? Servem-nos temporariamente os propósitos que nos fazem viver, intensa, apaixonadamente, como
injecções de adrenalina que nos inebriam pelos instantes suficientes para cumprir o trajecto. Voltaria então atrás? Para o regresso ao passado perderia esta consciência sóbria e sábia da relatividade ridícula dos acontecimentos. Que mais-valia era esta que lhe apagava a emoção? Que o colocava ali a olhar o moínho de forma distante...
Ao longe avistou Dulcineia com o mesmo vestido branco, sombreado pelas pás do moínho que já não bailavam ao vento. Fechou os olhos e deixou-a partir. Como traz sofrimento a emoção - recordou - como quem aceita resignado que
não se volta jamais onde já se fez farinha.