maturar
Quero acontecer na vida dos outros como um extraordinário e benfazejo imprevisto, como quem tropeça numa carteira recheada ou num dia de sol. Quero ser a poltrona recostada numa janela de madeira branca que espreita à beira-mar. Daquelas janelas grandes com vidros que nem se sentem porque a brisa nos chega ao colo e aos cabelos. Quero ser tão ampla quanto um cobertor a dançar dependurado num estendal. Trazer o cheiro de sabão à roupa ou um beijo perfumado de madeira nos dias mais frios. A revista tonta ou o romance radiofónico na cozinha velha de azulejos da cor do tijolo. Lá fora andam os pombos e eu sou a mão estendida de grão moído e pão demolhado. Sou as transparências e os detalhes de uma infância. A voz que assobia bem longe a chamar à refeição. Quero ser os calções rasgados, os joelhos esfolados e o sopro que acalma a dor. O sorriso maroto de uma inconfidência travessa e de uma promessa cumprida. Transcender-me, metamorfosear-me, mascarar-me e rodopiar, rodopiar.
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