segunda-feira, outubro 23, 2006

stabat mater

- Quem toca o sétimo céu jamais deveria descer à terra!
Mas ainda me lembro das nuvens e dos quase desmaios. Do diafragma contraído e das notas. Aquela nota. Um fá com asas. Fac me plagis... E a voz que me saía e inundava para lá da casa e da rua. As ressonâncias no palato e no nariz. Era minha e não era porque era maior.
- Que morbidez é essa de pisar a lama?
Olho para mim e não sei responder. Pergolesi e as belíssimas áreas de contralto. O peito que se abria, o corpo expelindo o ar e a música a latejar-me nas têmporas. Reduzia-se o mundo a uma nota, essa que tinha asas e me fazia voar com ela.
- E esses grilhões nos pés?
São meus. Eram meus? Magoaram-me os tornozelos. Esses éteres celestiais de que me fala e que já não sei respirar. Ah, porque quando os ouço nem ouso comover-me. Os pés pesados que me puxam ao solo e as lágrimas que me denunciam. Tudo se reduziu à indiferença que disfarça o mais reles dos medos. Agora luto por outro céu e já venci quase todas as insignificâncias. Ainda musico palavras para vencer a mudez.
- Quem tem asas não as perde.
Há um território pardo em que não se é anjo nem mortal. Onde o ódio se levanta como a poeira tingindo-nos a face de cinzento. Depois, deixa de nos atingir e perdemos a vergonha e lavamos a cara e reconquistamos uma certa leveza, não digo que no ponto em que a deixámos. A firmeza destes músculos que empurram a voz não me deixam mentir. Houve um tempo em que voei. Fac me plagis... vulneraris, vulneraris, cruce hoc...
Atiro para o alto o que sou e liberto-me porque aprendi a dar. Aposto e dou. Nesta dádiva mora um outro Stabat Mater, belo e também musical.
- É essa a sua partitura.
Há notas que têm asas e esse fá, fár-me-á sempre voar.

3 Comments:

Blogger zef said...

Ouvir “Stabat mater dolorosa” cantado no silêncio e calma do crepúsculo, por monges beneditinos…, asseguro que o sofrimento que o hino reflecte dá (paradoxo?) tranquilidade.

4:18 da tarde  
Blogger Bastet said...

Não me parece paradoxo algum :)

11:15 da manhã  
Blogger batista filho said...

“... Ainda musico palavras para vencer a mudez.” – e como o fazes bem, amiga!
Meu abraço fraterno pra ti.

3:00 da tarde  

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