terça-feira, março 21, 2006

quebra-cabeças

Nos intervalos de um quebra-cabeças teorizamos o caminho para a solução porque sabemos que, apesar da sua aparente impossibilidade, há uma saída prometida. Mas teorizemos agora que a única saída ou solução para um hipotético quebra-cabeças, seja apenas a cabeça partida. E já ela desconfiava que assim era. Há um estranho apelo nas dificuldades que outros superaram e que nós queremos igualmente superar e um apelo maior ainda, irresistível, no que nunca ninguém antes conseguiu ultrapassar e nós, soberba e ingenuamente, acreditamos poder resolver. É neste confronto entre o que somos e o que achamos que somos, entre as nossas particularidades e traços supostamente distintivos, que reside o verdadeiro vício de um quebra-cabeças. E ela sabia que assim era. Vamos comentando a espaços, com quem faça o favor de nos ouvir, algumas banalidades sobre o quociente da dificuldade e o da nossa resistência ou teimosia. Erro fatal, também porque subsequente aos outros erros já referidos, é subestimar a dor de uma cabeça quebrada como única forma de auto-estímulo para a permanência na busca de uma solução que não existe. O que nos leva a supor que o estímulo possa estar no desencanto ainda que neguemos este facto como processo racional para a aceitação do caminho. E ela tinha a cabeça mal convalescida das últimas dores. Ou a verdadeira dificuldade está no orgulho que, a par com o desencanto, também nos vicia? - O aditivo não pode estar na solução porque esta não existe - Negamos que não haja solução. Fingimos acreditar que podemos ser capazes. Vociferamos que nos conseguimos genializar, transcender. Ela sabia do sofrimento. Conhecia a dor. Gostamos nós das vielas que nos transportam à morte enquanto sonhamos com o pote de ouro no fim do arco-íris? Qual é o desafio quando não há escolha? O desafio está em fugir ao caminho...

6 Comments:

Blogger shark said...

Uma delícia. No raciocínio e na escrita.

11:57 da manhã  
Blogger Bastet said...

Sharkinho: não imaginas o contentamento e o alívio pelo teu comentário a este post... Estava a ver que o meu "quebra-cabeças" estava tão pouco claro que ninguém ousava comentar... Um beijo :)*

12:18 da tarde  
Blogger admin said...

Diz-se que a ciência é feita com metáforas. Mas eu gosto mais das metáforas a que a ciência dá origem. E um dos fenómenos físicos que considero mais fecundo neste aspecto é o que acontece, por exemplo, quando numa solução sobressaturada de um sal qualquer, é introduzida uma pequenas impureza. A solução que tem a aparência de um líquido límpido, começa repentinamente a formar cristais a grande velocidade, revelando o seu conteúdo insuspeitado. O mesmo fenómeno acontece - e é perigoso - quando se aquece água num micro-ondas e ela fica sobre-aquecida sem que se note qualquer ebulição. Ao introduzir a saqueta de chá, a água toma subitamente consciência do seu estado e transborda toda a violência contida. Há muitas consequências que se tiram destes fenómenos. Umas físicas, outras metafóricas. Por agora, lembrei-me apenas que um quebra-cabeças pode ser uma impureza: coisa pequena que vem de fora e nos faz explodir.

10:16 da tarde  
Blogger Bastet said...

Por vezes ainda ikivuku temos tendência para a explosão, para o quebra-cabeças, para o abismo, para colocarmos o pacote do chá quando deveríamos beber apenas a água...

12:45 da tarde  
Blogger jp(JoanaPestana) said...

minha querida, por ser resistente à dor ´e que a ela não lhe doi, quando aos outros já doi.
Uma especie de teimosia de resistente, capisce?
Coisa que leva a vida em frente, o calo da dor não se sente, Bigodes,ou fingimos que não, olha ali o céu que está pejado de andorinhas!
Já as viste?
:)***

2:10 da manhã  
Blogger Bastet said...

Jaqueline: Já as vi pois a esvoaçarem por aí, espero agora que o sol as acompanhe porque eu sou demasido susceptível às alterações climatéricas :)

11:26 da manhã  

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