no fim das palavras
Vou contar-te a história dos últimos narradores. Os que tudo tinham para contar e ninguém a quem dizê-lo. Qual o valor das histórias que não são contadas? Ou o dos segredos que, não traindo o seu nome, não são contados? Esta é a história das últimas palavras e dos últimos homens. Os que se viram no mundo e já se viam sem ele. Os que se despediram das fés e das crenças, das flores, das pedras e dos bichos. E ouviram-se os gritos reverberar no silêncio que antecede o nada. As mãos abraçadas sobre o ventre que guardava os alimentos e os olhos postos em interrogação piedosa. Que fazer às lendas guardadas? Aos valentes de outrora que jamais se perpetuariam? O que ficava de nós? O que ficava de tudo? Onde se guarda o que deixa de existir? Como se a história fosse feita de caixas dentro de caixas, pequenas caixas, médias, grandes, enormes, até à última caixa. A que guardava todas as outras e que não tinha caixa maior onde coubesse. Caixas de histórias. Palavras arrumadas. Referências. E eu que posso contar-te a história dos últimos narradores, adivinho as perguntas - Qual o valor do que termina? Qual o sentido de tudo ter começado? Que férias longas nos deu o tempo para que depois não regressemos a casa? E tu que podes ouvir a história da história, adivinhas o medo. Da terra que não se pisa, do ar que não se respira, dos grandes que morrem no esquecimento, dos canalhas que ao nada passam com eles. Como se tudo fosse igual, sem valor ou escadas. Sem degraus. Sem caixas distintas. E nós que contamos e ouvimos a história dos últimos narradores antecipamos o fim. Gastamos as palavras para que morram usadas. Para que no silêncio, no último silêncio, reste a memória do som que um dia fizeram ao serem proferidas.
7 Comments:
Interogações existenciais neste Inverno que nos deixa mais velhos?
Se pudessemos viver mil vidas e se não se esgotassem as palavras...
Um beijo, theo
Isto é tudo muito triste...
Sniff, sniff!
Queres um conselho? Vai aqui de vez em quando: http://forass.blogspot.com/
Tomas um a dois por semana, não te faz bem, mas também te faz mal e deixas que todas essas “histórias” abandonem a tua memória, de uma vez por todas. Tens que deixar de pensar que as histórias são metidas em caixas e por sua vez encaixas, mas sim em armários de papel, que se tornam amarelos com o tempo e cheios de bichos da papel, daquele que quando os esmigalhas ficam da cor da prata, sabes? É tão bonito.
Se não resultar, vai aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ajuda:Como_escrever_um_bom_artigo
Por outro lado, podes sempre pensar no Don Sebastião.
Ai, o D. Sebastião! Ando a ler esse blog que me aconselhas há tanto tempo mas ainda não me soube dar notícias do regresso de El Rei nevoeiro!
Em breve terás notícias D'el Rei. ;) Digo desde já que sei que consegui fugir...
"O que ficava de nós? O que ficava de tudo? Onde se guarda o que deixa de existir? Como se a história fosse feita de caixas dentro de caixas, pequenas caixas, médias, grandes, enormes, até à última caixa. A que guardava todas as outras e que não tinha caixa maior onde coubesse. Caixas de histórias. Palavras arrumadas. Referências."
Gostei muito do texto... gasta as palavras até à exaustão porque elas merecem ser usadas por ti :D
Um beijo também Theo e, se acaso vívessemos mil vidas, fartar-me-ia provavelmente à segunda :)
Obrigada Sandra M pelo teu tão amável comentário :)*
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