segunda-feira, novembro 21, 2005

sonhos e dias

Ela penteava-se de fronte do espelho, olhando para lá da sua imagem, esquecendo os seus cabelos revoltos, fixando o futuro, descodificando os dias e os acontecimentos. Para lá do que via e pressentia, cruzava os braços ao destino, entristecida pelos reflexos solitários e pela espera de uma sorte diversa. Logo atrás, reflectia-se no espelho a cama de casal e, parecia-lhe, os corpos que a habitavam ainda. Entregava-se à recordação de um outro Inverno, quando a paixão revolucionara colchão e lençóis fazendo-a sentir-se completa. De algum modo a completude era passageira, apreciável por momentos em que se toca o infinito, para logo após se desvanecer em pequenos fragmentos de memória. Cansava-a saber demais, ter tido no corpo o Universo Divino para reconhecer agora a trivialidade do sexo. Questionava a ironia do conhecimento, a lógica da apreensão da felicidade e a sabedoria da intimidade do seu corpo e das suas exigências. Poderia bem viver a solidão, agora que lhe entendia os contornos e o fantasma da paz que comportava nas entranhas. Poderia viver de metades, arquitectando a espaços o sólido edifício da plenitude, mas não conseguia alienar o sonho que se prometera, com receio de se banalizar, de se acobardar, de se desgostar de si mesma. Difícil é a resignação viver paredes meias com o sonho, porque este transborda em força e inocência, desmascarando as lágrimas da insatisfação num qualquer momento de entrega. Impossível é matar a alma que ganhou asas e deixá-la fenecer, inanimada dentro do corpo. Disfarçar a vida com a morte, a realidade com serigrafias tão perfeitas que a sua imagem ao espelho fosse ainda uma obra de autenticidade.

26 Comments:

Blogger Sara Mota said...

Bastet, abre a janela e ouve a chuva cair. Ouve. Saboreia-a.

Beijo :)**

1:32 da tarde  
Blogger aibieme said...

Resignação, capitulação, desistência, arrumação, são palavras de conteúdo morto. Ocorrem apenas quando, por momentos, somos incapazes de absoluto. O relativismo está em toda a parte e parece ter tomado conta de todas as sensações. Mas o real não é assim. Tem em cada instante um valor que não é inferior ao instante anterior. O pior de tudo é sentirmo-nos obrigados a sentir coisas que nos parece que outros acham que deveríamos sentir e ficarmos perplexos com o caótico percurso que a individualidade, muito justamente, prefere.
Mas há uma perversidade nestas coisas: a partir de um sentido de sofrimento, imobilidade e hipotética angústia, resulta um texto belo, cativante e perturbador.

2:06 da tarde  
Blogger aDesenhar said...

:)
boa semana p/ti :)

a tua filhota está bem!

bjs

2:06 da tarde  
Blogger Bastet said...

Olá Sara! Acabo de vir da chuva, directa numa cabeça sem chapéu! Caracóis molhados e aqui estou eu! :)

Obrigada aibieme pelas suas palavras :)

Querido a-desenhar, a miúda está bem mas pegou-me o vírus a mim... Estou agora com uma voz ainda mais abagaçada que o costume mas tenho tomado o mel pela manhã ;) Um beijo para ti.

2:47 da tarde  
Blogger Hipatia said...

Não te sei responder. Ainda estou à espera do reflexo completo no espelho, aquele que perdi ou quis perder, aquele que quis esquecer e não sei, no dia seguinte àquele que escolheram para celebrar todos os mortos nas estradas. E para esses, sim, não há regresso. Ficamos nós e a nossa teimosia no tentar ainda levar.

Beijo

5:47 da tarde  
Blogger Softy Susana said...

ai, ai, bastet... sempre que te leio fico com vontade de escrever... és um bálsamos para a minha jovialidade, presença de espírito e liberdade intelectual... que saudades que tenho de ter tempo para isso... beijos grandes! (saudades tuas, tb!)

6:38 da tarde  
Blogger Mocho Falante said...

Hummmm andamos um pouco murchitas não????

Vamos lá voltar a por um sorriso lindo dos teus nos teus textos se faz favor

beijocas

11:56 da tarde  
Blogger Bastet said...

Saudades tuas também Softy! E da tua terra e do belo almoço e da porta que escondia o monstro que comia as meninas que não comem :)

Hipatia: Li o teu post mas fiquei sem saber o que te dizer. Um beijo.

Mochinho, este era um post murcho de uma gata rouca mas prometo sorrisos nas palavras para te alegrar o bico :)

3:52 da tarde  
Blogger Caracolinha said...

Minha Nossa Amiga ... como tu escreves bem !!!!

Esta frase devia ser retirada do teu post e espalhada por todos os cantos da cidade, do país, do mundo: «Impossível é matar a alma que ganhou asas e deixá-la fenecer, inanimada dentro do corpo» !!!!

Sabes que muitas vezes é nas situações de adversidade que descobrimos forças que nem sequer imaginamos ter !!!!

Como está a tua menina minha querida ??

Beijoca encaracolada ;)

4:02 da tarde  
Blogger batista filho said...

Dizes com profundidade de sentimentos controversos, de escolhas, de dúvidas - e dizes bem, mui bem. Torço para que encontres o que as palavras não conseguem trazer pra gente, dentre outras coisas, Paz. Um beijo solidário.

4:13 da tarde  
Blogger Bastet said...

Olá caracolinha! Acabo de vir de tua casa e de ler o teu post sobre a maria rita que também eu gosto muito de ouvir. A minha melga já está boa só que deixou o vírus de herança para a mãe pelo que estou quase sem voz e sem dormir há duas noites graças a uma tosse chata, seca, irritante, daquelas que faz comichãozinha na garganta e que só apetece arrancar as goelas!
Obrigada Caracolinha pelas tuas palavras, deixo-te um rouco ron-ron :)

4:17 da tarde  
Blogger Bastet said...

Baptista Filho, estive a navegar no teu barco de papel e a recordar como desde sempre procurei a felicidade, a mais completa, aquela que nos transborda no sorriso e sei, como sempre soube, que está ao meu alcance. Um beijo :)

4:19 da tarde  
Blogger vague said...

Não q isto te interesse :p

mas li de rajada,
pois apesar de teres uma escrita e um vocabulário densos e ricos (o q poderá às vezes dar aazo a alguma dispersão ou riqueza 'excessiva'),

nenhuma palavra está a mais. Todas se encaixam na dimensão perfeita de um coração que é também o coração de um outro eu.

5:03 da tarde  
Blogger Bastet said...

A riqueza excessiva das palavras contrasta com a míngua dos euros :) esse vencimento que eu gasto tão de rajada quanto a tua leitura e também lá, infelizmente, nem um euro está a mais! lol!!! :)*

5:15 da tarde  
Blogger vague said...

(De um coração que também é o de um outro eu, q por acaso é tb o meu.)

Não encares o adjectivo 'excessivo' como pejorativo, q não era essa a intenção nem podia ser, do q me conheces e eu me conheço :)

Tem a ver com o escrever densamente, ricamente, sentes cada palavra, assim o sinto eu.
E essa riqueza é própria de quem sabe escrever e tem excelente vocabulário como deriva tb das paixões da alma. E aí, como te entendo essa paixão.
Toda a paixáo será por natureza excessiva, não achas? A maixão pode ser considerada um excesso e no entanto quero viver permanentemente apaixonada...e feliz, bem entendido ;)

6:03 da tarde  
Blogger mc said...

Aquele beijo de quem bem te entende.

6:08 da tarde  
Blogger Judite said...

As melhoras. Mas olha que as gatas roucas são sexys ;)

7:23 da tarde  
Blogger aDesenhar said...

a tua tosse chata, seca, irritante já passou!
ora aqui vai um tratamento caseiro eficaz... :)
cortas umas rodelas de cenoura e vais colocando num recipiente, por camadas alternadas com açúcar, 5 ou 6 .no dia seguinte está pronto a ser utilizado.o
resultado final será uma mistura bem adocicada com sabor a cenoura.3 dias é o suficiente para poderes gritar pelo teu clube :)))))))

bjks

10:42 da tarde  
Blogger vague said...

O que adesenhar sugere como cura da tosse é uma receita que a minha avó utilizava tb.
De vez em quando lá em casa, dentro de uma tijela, rodelas de cenoura em camadas, entusiasmavam-se, melosas, com o açucar :)

9:38 da manhã  
Blogger Bastet said...

Pois é vague, o xarope de cenoura do a-desenhar trouxe-me de rompante o meu pai à memória. Também ele costumava encharcar os filhos com este xarope caseiro bem docinho :) que saudades... E, também por coincidência as palavras do buddha breezer o fizeram lembrar, dizia ele que quem não tem medo é idiota e que a coragem residia precisamente em conseguirmos ultrapassar o medo!
Quanto ao resto Vaguezinha sei bem que ambas somos excessivas no que diz respeito às exigências do amor e da vida!


beijos solidários também para ti mc!

querida JP, a voz até que fica sexy mas as olheiritas nem tanto :)

11:35 da manhã  
Blogger vague said...

Bastet,
Temeridade e coragem são duas coisas bem diferente. Ser corajoso é ir mais além, pois há perigos de q se tem consciência e a coragem é vencer o medo. Quem é temerário não tem medo pois não se apercebe do perigo (eu fui várias vezes temerária e só qdo mais tarde parei para pensar é q fiquei com medo:)

Sentir o medo na pele, e mesmo assim dar um passo. Estar inseguro e mesmo assim avançar.

E o pior é o medo do próprio medo.

E com esta conversa toda sobre o medo, fiquei com um receio difuso cá dentro,
será...?

1:02 da tarde  
Blogger Bastet said...

xô Maria Vague! Qual receio difuso, tem mas é juízo! (diz o roto ao nú) :)

3:13 da tarde  
Blogger Bastet said...

Caro Seth quem ficou desasada fui eu, sem jeito nem graça perante um tão grande elogio. Muito obrigada.

10:28 da tarde  
Blogger A Tendinha said...

Será que vou conseguir desta vez?

4:20 da tarde  
Blogger A Tendinha said...

Ahahahah! Este blogger tem piada, não tem? Agora que já te enviei o comentário por e-mail porque não consegui pô-lo aqui... bem, agora só me resta desejar que a pulguinha pintalgada melhore depressa e tu também, dessa tosse cavernosa (já tem ursos? :DDD )

(Ó Vaguezita, já não excedeste o teu tempo de antena neste post? :DDD )

(e agora vou lá abaixo escrever haagaon, il há com cada uma... ;) )

4:23 da tarde  
Blogger Bastet said...

Olá Noite! Registo finalmente aqui o teu comentário se bem que já respondi ao e-mail. Sabes como é a Vague... excede sempre o tempo de antena :)

Aproveito para rectificar o meu comentário lá em cima em que respondi erradamente à Judite chamando-lhe JP. Um beijo para ti Judite

5:47 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home