terça-feira, novembro 08, 2005

a cada um o seu denário

A manhã começou aparentemente igual. Corre que corre, lava que lava, veste que veste. Fruta para a pequena, ração para os tipos de pelo, veste o casaco, entra no carro, põe a mesma música - oh, mãe não é essa - ouve-se a música três vezes seguidas, deposita-se a tipa na escola, beijos e até logo. Respiro fundo! Ah, a doce calmaria do emprego! Café no bar da instituição. Chegam os primeiros colegas. Uma vem com ar de quem quer algo. Depressa descubro o que se passa. Nomes. Ela quer nomes e moradas. Voluntários amigos para uma demonstração de um aspirador. De imediato, começo a tentar perceber para mim mesma se sou de facto assim tão amiga daquela pessoa. Não sou. Pelo menos ao ponto desta tortura. Já passei por este filme. Já assisti por compaixão para com o próximo a três demonstrações de aspiradores. Dá dó ver o ar animado da feliz compradora. Está ainda na fase do deslumbramento. A paixão inicial pela máquina exemplar que facilitará o trabalho doméstico... Ainda ouso dizer que a máquina é boa mas pouco prática de montar. Diz-me que não, que é um tirinho, que descobriu que vivia no meio da porcaria e que agora toda uma nova vida se desenha ante de si... E os acessórios? Como vai ser bom limpar os estores e todos os recônditos sítios onde o pó se acumula à revelia dos normais aparelhos de limpeza. Olho para ela. Tenho pena. Não faltam vozes que a secundam. São as vozes das mais ou menos recentes vítimas que já estão noutra fase, a fase a que chamo a do reavivamento. Aquelas que já precisam da energia dos imberbes para prolongarem a sua paixão esmorecida. E eis que saí da boca habituada a lugares comuns de uma colega gaga, uma preciosidade digna desta fase do reavivamento: Esse as.. aspirador é uma ver... verdadeira do...dona de casa! Valha-me Deus! Custa-me este papel que me cabe. Eu que já estou na fase divórcio e do adultério consumado... Comprei um aspirador pequenino, banal, daqueles baratos. Um que apanha o indispensável mas que se monta e arruma depressa. Um aspirador digno da minha preguiça e da meu conformismo. Nunca fui uma mulher ambiciosa no que respeita às prendas domésticas. Tenho o outro, a máquina perfeita mas infernal que quem dera se auto montasse e me substituísse. Falta-me o tempo e a pachorra para o montar. Tirar aqueles tubos enormes, encher o depósito de água, por e tirar acessórios específicos para o chão, carpetes, móveis, bibelôs e outras superfícies que clamam em silêncio pela limpeza... Arranjei um amante. A este trato-o com a facilidade que o amor exige. Pouco me pede. Pouco lhe dou. Faz-me feliz e é o que importa. Levanto-me. Não dou o meu nome. Que me desculpem estas jovens e imaturas apaixonadas, mas para mim já há muito que se quebrou o encantamento de uma relação árdua, exigente e dedicada.

13 Comments:

Blogger jp(JoanaPestana) said...

ahahahahah
Estás perdoada minha querida, que dessas paixões quero distancia.
Beijo

1:14 da tarde  
Blogger Hipatia said...

Tenho um aspirador pequeno e barato também, daqueles que se escondem por baixo do tanque. E chega-me. Como me chega a casa só minha, onde tudo o que possa acumular pó tem durabilidade contada. Como um qualquer amante que resolva persistir como a poeira, para além de qualquer vida útil de um romance.

(ninguém diria, pá!)

1:46 da tarde  
Blogger Mocho Falante said...

Bem nem fales em demonstrações. a última vez que fiz um favor a uma amiga para esta ganhar o acessório qualquer, fiquei com o homem lá em casa mais de 3 horas... Já estava pelos cabelos de tanto o ouvir falar em Higiene doméstica :~(

Não há paciência

Beijocas

4:35 da tarde  
Blogger A Tendinha said...

Esses fulanos são as verdadeiras melgas. Uma vez pediram-me 20 minutos, estiveram lá em casa duas horas em cima da hora de jantar e ainda se deram ao direito de desfazer na máquina que tinha. Eu tenho uma máquina que aspira e lava, que usava (deixei de usar porque vim para cá, claro) e que não dispenso, mas não foi cara como as das demosntrações domésticas (foi 1/4 do preço) e que só não faz as paneleirices que acabaria por não usar nas outras (sim, porque é isso que acontece a toda a gente; passa a usar-se o "serviço mínimo" e esquece-se o resto, porque não há tempo nem vontade nem pachorra).

2:15 da manhã  
Blogger Zu said...

Já aturei a minha dose, também: para que alguém recebesse alguma coisa no fim do mês. A verdade é que dei a volta ao vendedor, dizendo logo de início que não queria aspirador nenhum, que só aceitava a demonstração para o ajudar, e impedi-o de me mostrar todas as potencialidades do aparelho. A conversa, enquanto ele ia preenchendo as papeladas que tinha de apresentar para mostrar trabalho feito, desenrolou-se entre como educar cães e o funcionamento das escolas primárias :-)))

10:01 da manhã  
Blogger batista filho said...

Por mais que queiramos ser francos o tempo todo, dizer sempre o que pensamos, por vezes, calamos. # Mais um momento do cotidiano que retrataste mui bem! Valeu. # Um beijo.

11:17 da manhã  
Blogger Bastet said...

Estas demonstrações são funestas! A última que aturei e que culminou comigo a corre com um puto chato brasileiro lá de casa, durou três horas. Queria convencer-me que o aparelho que vendia era melhor que o meu que é o tal xpto. Fi-lo para que uma amiga ganhasse não sei o quê mas a verdade é que ela ia era perdendo uma amiga... tal foram as pragas que lhe roguei! :)

11:18 da manhã  
Blogger mc said...

"Que me desculpem estas jovens e imaturas apaixonadas, mas para mim já há muito que se quebrou o encantamento de uma relação árdua, exigente e dedicada."

Isto serve para os aspiradores e para os restantes electrodomésticos! ;D

bjos da mc

12:18 da tarde  
Blogger Bastet said...

É isso tudo mc! É mesmo extensivo a todos os electrodomésticos! ;)

12:20 da tarde  
Blogger Asulado said...

A porcaria só existe se estivermos conscientes dela. Logo, não vale a pena comprar uma máquina que nos dê essa consciência.

2:43 da tarde  
Blogger Barão d'Holbster said...

Eu simplesmente digo não.
Não aos "amigos" que nos pedem para fazer a demonstração.
Não aos vendedores.
Não a máquinas que fazem tudo.
Quem me tira o pano do pó tira-me tudo...

3:05 da tarde  
Blogger Bastet said...

Caro Barão! Além das saudades que já tinha de te ver por cá, fica o registo do teu belo manifesto ao pano do pó! O pano do pó que permitiu ao longo dos tempos que se cuscasse a vida fora de casa enquanto se sacudia o dito à janela :) bons tempos esses, os do pano do pó! ;)

3:12 da tarde  
Blogger aDesenhar said...

não suporto vendedores que ligam a ká7
e não há maneira de a desligar grrrrrr

não...não e não

assunto encerrado
e que me desculpem os possíveis vendedores aqui da blogosfera :) se os houver claro :)

bastet :)
bjk aspirada

1:32 da manhã  

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