terça-feira, outubro 25, 2005

a morte

Faleceu a mãe de uma amiga. Como quase sempre nestas situações não sei nunca muito bem o que dizer, não sei nunca muito bem o que fazer. Fico petrificada pela impotência de retirar ou diminuir a dor alheia e assalta-me o receio de ser pouco convencional, pouco assertiva, de dizer alguma barbaridade inconveniente porque, invariavelmente, esforço-me por ser positiva, por animar quem sofre, por tentar o impossível- aliviar o que não tem alívio imediato. Regra geral, saio antes do tempo, fujo com medo de mim mesma, consciente todavia de que esta não é uma boa opção. Ouvi o sermão do padre e provavelmente terei sido das poucas a fazê-lo. Falou da morte e da ressureição, do momento de libertação das penas deste mundo e da paz que encontraremos após o fim, por todos conhecido, a que nos leva esta vida. Num funeral, chora-se a saudade. A pena que temos de nós mesmo por sermos abandonados por aqueles de quem gostamos, os que nos fazem falta, os que nos suportam, os que nos mimam e amam. Num funeral chora-se por medo, o pavor inconfessável pelo mistério da morte que, sabemos, mais cedo ou mais tarde haveremos de conhecer. Chora-se porque continuaremos mais sózinhos, porque teremos de crescer mais um pouco e o crescimento é um processo doloroso. Hoje, procurei relembrar o funeral do meu pai e um sorriso veio-me aos lábios. Na altura, abraçada à minha mãe, pudemos ambas conter as lágrimas mesmo quando a bandeira portuguesa foi dobrada e posta nas mãos dela. Lembro-me de olhar para ela e, como sempre, achá-la invencível, inquebrável, altiva quando recusou que abrissem de novo o caixão para uma última despedida. Nós já nos tínhamos despedido dele com um até breve. E ele, por certo, olhava-nos de cima orgulhoso brincando com a morte.

16 Comments:

Blogger Hipatia said...

Não tenho uma relação "normal" com os funerais. Penso que são as alturas em que fico, realmente, perto da histeria. Quando foi o funeral da minha avó, tive de sair, ou batia no padre, que estava para lá a dizer um arrazoado de banalidade sobre uma pessoa que nunca tinha visto como se fosse dela amiga desde sempre. Ainda saiu um "hipócrita" amordaçado, enquanto o meu tio me arrastava para o ar fresco. No funeral do meu avô, as coisas correram melhor. Aguentei-me até ao fim, não prestei atenção, não quis prestar. Fiquei histérica horas mais tarde, a rir tolamente, ao descobrir que o padre que rezara a missa tinha acabado de morrer. Do meu outro avô, a dor foi mais contida e, no entanto, talvez mais lancinante. Não houve missa. Não houve nada. Apenas um cortejo triste e uma urna e muitas lágrimas silenciosas. Talvez as palavras tivessem feito falta. Nem que fosse para me conduzirem à histeria. Talvez fossem afinal o que mais faltou para extravasar a dor...

3:26 da tarde  
Blogger Patrícia said...

Tão difícil lidar com estes momentos...

3:30 da tarde  
Blogger Caracolinha said...

Ai minha linda, ainda agora acabei de sair de um blog onde comentei exactamente sobre o mesmo tema ... sabes que nestas alturas, parece que ficamos com o pensamento embotado ... o que eu disse no outro blog é o que te vou deixar aqui ... é a sensação de teres um barco e não saberes onde ancorá-lo ... não saberes onde prender as amarras ...

Uma beijoca encaracolada ... e força para ti e para ela :)

3:45 da tarde  
Blogger Mocho Falante said...

Nem imaginas como me identifiquei contigo neste post. no dia do funeral do meu pai, eu era muito novo, mas recordo perfeitamente o olhar da minha mãe que tinha acabado de se despedir do amor da sua vida...

Houve muitos abraços, e muitas atenções, mas jamais esquecerei quando ela me disse "Pronto já passou"

Beijocas

6:07 da tarde  
Blogger andorinha said...

Fiquei sem palavras, perante o que li.
Em momentos desses também nunca sei como reagir, lido muito mal com a ideia da morte.
Beijinho.:)

7:15 da tarde  
Blogger aDesenhar said...

"a morte"...

em determinado funeral, num ramo de flores, li a seguinte frase de um cartão:
nunca compreenderei os desígnios do Senhor.

Depois de muito matutar à volta do seu significado, cheguei à mesma conclusão.
Também não compreendo...

:|

7:44 da tarde  
Blogger Zu said...

Deixaste-me sem saber o que dizer. Porque detesto funerais, desde o da minha mãe. Enfio uma armadura que me deixa invulnerável à morte que irrompe pela nossa vida adentro (mesmo que não nos afecte directamente) e fico à espera que passe.

8:12 da tarde  
Blogger Miguel Horta said...

Estou aqui por recomendação das "Vozes" ( Vozes em fuga ).
E gosto do que li...

1:18 da manhã  
Blogger Maria do Rosário Sousa Fardilha said...

Comecei por me rir imenso em funerais - desculpa o mau gosto. Algumas das "histórias" partilho com a minha irmã. Na altura a morte não existia, mesmo quando estava ali à nossa frente. Depois, morreu um amigo próximo. E não quis ir ao funeral ou não queria vê-lo morto. E anos depois morreu uma amiga, e já não podia reagir da mesma maneira. Lembro-me de desejar que a cerimónia acabasse depressa porque era insustentável o "aparato" técnico e o ritual e o efeito de acumulação da dor de todas as pessoas reunidas. Agora encaro as coisas com maior serenidade mas continua a ser difícil encarar a perda, olhar os olhos de quem se sente perdido e transmitir confiança. ou imaginar o desamparo que vou sentir numa situação similar, porque nos projectamos sempre. Na altura em que essa minha amiga morreu, li uma frase que ficou: podemos pouco por aqueles que amamos. É disso que tenho medo, dessa certeza.

Enfim, o teu post levou-me para longe, como vês.

5:12 da manhã  
Blogger Bastet said...

Agradeço a todos os comentários que deixaram sobretudo porque, se repararem, abriram um pouco tristezas guardadas, saudades silenciosas. Achei muito curiosa a coincidência entre a frase que o mochinho guarda da sua mãe porque foi precisamente a que a minha mãe me disse "pronto, já passou".
Dou as boas vindas à Patrícia que tem coisas tão bonitas para se ver no seu blog e ao Gaivina que vem tão bem recomendado :)
Beijos para todos vocês que fazem deste blog um espaço diferente e especial para mim.

12:05 da tarde  
Blogger forass said...

Um abraço bem forte é o que costumo dar, nada mais.

E passadas algumas horas lá estamos nós a contar anedotas.... :))

3:25 da tarde  
Blogger A Tendinha said...

É tão difícil enfrentar estes momentos... fujo deles a 7 pés. Só fui a 2 funerais na inhavida, o primeiro deles aos 28 anos e porque não pude mesmo evitar ir.
As palavras para quem sofre, essas parece que nunca as tenho certas e tenho até medo de falar, medo de dizer algo que não deva ou na altura errada.
Enfrentar a morte de alguém mesmo muito próximo ainda não me calhou: tenho ainda todos os avós, com 90/91 anos. Esse dia há-de chegar, eu sei, há muitos anos que o sei, mas parece que em tantos anos nunca hei-de estar preparada para ele...
Beijinho, Bastet

2:29 da manhã  
Blogger jp(JoanaPestana) said...

a minha noção de morte é ligeiramente diferente da vossa. É demasiado técnica,demasiado assumida e manipulada. A reacção é tardia. É já tarde que depois choro isolada na toca.
Jà tive demasiadas mortes, e mortes demasiadamente perto.
Já me morreram genes meus, e genes que poderiam ser meus. A morte é algo preto e escuro, que apenas nos deixa ver as memórias.
Beijo gatamaria

3:21 da manhã  
Blogger Mary Lamb said...

A minha mãe morreu e o que mais me marcou na minha reacção, foi o orgulho que senti ao perceber o quanto ela era amada. Agora olha por mim sentada na estrela mais brilhante do céu.
Tenta sorrir, e deixa a pessoa partir em paz. É o que eu tento fazer.
Despedi-me há muito pouco tempo de uma amiga muito próxima umas horas antes da morte dela e foi o que lhe disse. Vai em paz. Cumpriste a tua missão. Segue o teu caminho. E assim também apaziguei a minha alma ferida de saudades já.
Desculpa não poder ajudar mais...

5:16 da manhã  
Blogger Zu said...

A vida vai-nos enchendo de saudades silenciosas e tristezas guardadas, como tão bem disseste. Sentimentos que não usamos todos os dias, mas que irrompem quando a morte se mostra na vida em que a tentamos esquecer e iludir, e que nos mostram que as ausências não se preenchem, habituamo-nos é a conviver com elas. Porque permanece dentro de nós o lugar de cada uma das pessoas queridas que partiu.

10:11 da manhã  
Blogger Bastet said...

Formiga, um abraço forte, é sem dúvida melhor que mil palavras! E o humor ajuda-nos a lidar com a vida, como sabes esse também é um recurso que utilizo por vezes para espanto dos demais :/

Espero eu amiga Noite que possas continuar a fugir a sete pés destas situações, será bom sinal. Um beijo :)*

Olá JP, chorar em silêncio e tarde é apenas a tua forma de fazer o luto. É saudável que façamos o luto da morte, com lágrimas, com gritos, com palavras, como pudermos. fazer o luto da morte é aceitá-la e dar o passo para a continuidade da vida. Um beijo :)*

Olá Mary! bem vinda sejas aqui ao cesto da gata bastet! Obrigada por me leres e comentares e sobretudo obrigada pelas palavras sinceras e tão amáveis. :)*

10:17 da manhã  

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