concurso o escritor famoso
Este é o meu contributo para o concurso lançado pelo Divas & Contrabaixos.
O mote:
(...)Depois os que riam passaram a chamar-nos namorados. Às vezes atiravam-nos uma pedra que nunca acertava e fugiam. Começámos a sair da escola durante o intervalo grande, que era de trinta minutos, acho eu, e desfrutávamos o facto de àquela hora o baloiço do parque estar sempre livre. Às vezes a meia hora passava a uma, ou mais, até que a professora chamou os nossos pais por mau comportamento. O que é que eu andava a fazer com a Helena, perguntou-me a minha mãe à noite. Andamos de baloiço, respondi.
E o baloiço oscila ao vento (...)
Nunca soube se era verdade o que dissera à minha mãe ou se, velada, seria a primeira cautelosa mentira que ensaiara. Era verdade que as horas balouçavam livres, mais livres que o balouço onde esvoaçava o vestido de Helena e que elas perdiam o vulgar sentido porque tocavam a eternidade. Não era por certo a verdade dos livros escolares, que ficavam arrumados em monte junto do escorrega amarelo, onde eu me estendia de braços erguidos desfrutando o sol e o guinchar monótono das correntes que sustinham Helena no firmamento. Via-lhe a biqueira dos sapatos de fivela azuis escuros a aparecer a espaços certos, compassados, por vezes mais apressados, quando Helena os apontava ao céu para tocar as nuvens. Eu já lá estava. Levitava-me do escorrega amarelo e sentava-me na nuvem maior. Esperava os pés de Helena e roubava-lhe os sapatos. Por cada vez que me chegavam ao colo arrepiava-os de cócegas. Certa vez prendi-os. Segurei-os com firmeza e sentei Helena ao meu lado na nuvem maior. Houve um instante de receio ou de clarividência. Os livros da escola não ensinavam a voar. E o peso da racionalidade apelava à gravidade, a lei que chama os corpos à terra desde a lenda da maçã. Pus-lhe os dedos nos amarelos fios de cabelo e os lábios abertos sobre os dela muito ao de leve, e de leve suspirei para eles, por eles, quase um sopro de velho cansaço pouco próprio da minha idade. Mas as horas não tinham sentido. Se passavam leves, passavam rápidas, trazendo a sabedoria do que não se troca, as letras de todos os livros onde se ensina o amor. E eu precisava de Helena. Do cinzento de espanto que se lhe derramava nos olhos ao ver-se tão leve, sentada na nuvem maior. Da bruma carregada das suas sobrancelhas quando não percebia o mundo e as flores pisadas. Dos seus pés trapezistas, das suas mãos miúdas, da alma de luz que se lhe desprendia por entre os dentes. O amor traz esta fragilidade de ter objecto, como face inversa da força que nos dá para o proteger. O amor traz-nos certezas absolutas, tão absolutas quanto a dimensão da sobrevivência e mais válidas que documento lavrado com selo.
Dessa vez escolhemos destino, destino maior que o nosso recreio, um que preenchesse incontáveis viagens de balouço e mais dias que os dias que sabíamos contar. Dessa vez descemos da nuvem maior com palavras certas e recolhemos os livros nos braços. Alinhámos os passos e desatámos correria atados pelas mãos. Corremos tanto que teremos corrido demais. Corremos tanto que o balouço envelheceu a oscilar.
O que faço eu sem Helena, minha mãe?
O mote:
(...)Depois os que riam passaram a chamar-nos namorados. Às vezes atiravam-nos uma pedra que nunca acertava e fugiam. Começámos a sair da escola durante o intervalo grande, que era de trinta minutos, acho eu, e desfrutávamos o facto de àquela hora o baloiço do parque estar sempre livre. Às vezes a meia hora passava a uma, ou mais, até que a professora chamou os nossos pais por mau comportamento. O que é que eu andava a fazer com a Helena, perguntou-me a minha mãe à noite. Andamos de baloiço, respondi.
E o baloiço oscila ao vento (...)
Nunca soube se era verdade o que dissera à minha mãe ou se, velada, seria a primeira cautelosa mentira que ensaiara. Era verdade que as horas balouçavam livres, mais livres que o balouço onde esvoaçava o vestido de Helena e que elas perdiam o vulgar sentido porque tocavam a eternidade. Não era por certo a verdade dos livros escolares, que ficavam arrumados em monte junto do escorrega amarelo, onde eu me estendia de braços erguidos desfrutando o sol e o guinchar monótono das correntes que sustinham Helena no firmamento. Via-lhe a biqueira dos sapatos de fivela azuis escuros a aparecer a espaços certos, compassados, por vezes mais apressados, quando Helena os apontava ao céu para tocar as nuvens. Eu já lá estava. Levitava-me do escorrega amarelo e sentava-me na nuvem maior. Esperava os pés de Helena e roubava-lhe os sapatos. Por cada vez que me chegavam ao colo arrepiava-os de cócegas. Certa vez prendi-os. Segurei-os com firmeza e sentei Helena ao meu lado na nuvem maior. Houve um instante de receio ou de clarividência. Os livros da escola não ensinavam a voar. E o peso da racionalidade apelava à gravidade, a lei que chama os corpos à terra desde a lenda da maçã. Pus-lhe os dedos nos amarelos fios de cabelo e os lábios abertos sobre os dela muito ao de leve, e de leve suspirei para eles, por eles, quase um sopro de velho cansaço pouco próprio da minha idade. Mas as horas não tinham sentido. Se passavam leves, passavam rápidas, trazendo a sabedoria do que não se troca, as letras de todos os livros onde se ensina o amor. E eu precisava de Helena. Do cinzento de espanto que se lhe derramava nos olhos ao ver-se tão leve, sentada na nuvem maior. Da bruma carregada das suas sobrancelhas quando não percebia o mundo e as flores pisadas. Dos seus pés trapezistas, das suas mãos miúdas, da alma de luz que se lhe desprendia por entre os dentes. O amor traz esta fragilidade de ter objecto, como face inversa da força que nos dá para o proteger. O amor traz-nos certezas absolutas, tão absolutas quanto a dimensão da sobrevivência e mais válidas que documento lavrado com selo.
Dessa vez escolhemos destino, destino maior que o nosso recreio, um que preenchesse incontáveis viagens de balouço e mais dias que os dias que sabíamos contar. Dessa vez descemos da nuvem maior com palavras certas e recolhemos os livros nos braços. Alinhámos os passos e desatámos correria atados pelas mãos. Corremos tanto que teremos corrido demais. Corremos tanto que o balouço envelheceu a oscilar.
O que faço eu sem Helena, minha mãe?
12 Comments:
já posso votar ????????
gostei da forma como abordaste o mote fornecido a concurso :)
vou tentar ler os restantes trabalhos a concurso mas...
não sendo eu um crítico nesta área, posso desde já adiantar que simpatizo com o teu trabalho :)
venha daí a votação :)
vou já consultar o blog :)
ahhhh e não me esqueçer do cartão de eleitor como é normal, porque já vou na 6ª via de c/eleitor, de tão despistado que sou :)))
ops :)
a votação é no dia 8
lá estarei
de cartão/eleitor no ar :))))
Beijinhos Caipira! :)***
Adesenhar, daqui até lá ainda perdes o cartão! lol!!! Mas quem sabe este pequeno texto não te inspira um esquisso!?
seria a 7ª via :)
para ser sincero inspirar lá isso inspira, mas não tenho tido tempo nem para eu postar, nem para por em prática o turbilhão de idéias que tenho vindo a armazenar, quando navego por alguns blogs...
um dia quem sabe
quando eu conseguir fazer uma alteração ao tempo e passar a viver dois minutos num só minutinho :)
:))
Fraca desculpa pode ser, esta q não pediste,
...mas não li, confesso (tenho q confessar 1 pecado por dia, acordei com o padre )
Não estou no momento certo para inspirar e expirar esta atmosfera q o merece.
Um dia lerei isto impresso, eu sei, so, why bother now?
Agora vou para a vagabundagem, e tal :P
Arrebatador... confesso que a esta hora li o post com um olho semi cerrado, mas amanhã prometo que volto a ler com mais atenção!!!
Lindo, lindo! Nem tenho palavras que lhe possam fazer justiça.
Olá Lisa! Já soube que vais ser Bititi! Parabéns e obrigada por passares por cá! Um beijo. Para quando outro bolo feito pela Facturinha? :)
Li o texto como ele mo pedia, com tempo e atenção.
Mas as palavras não bastam para elogiar um texto destes, inspirado divinamente,
Maria Felina :)))
E antes q desatemos num pranto deixa-me dizer-te q com tanto blog-em-livro q por aí há, q até enjoa (por acaso ando a folhear o gato fedorento-livro:D)
e tantas crónicas de bloggers famosos plantadas nos jornais, algumas desilusões, aliás os blogs q lhes deram origem tb, deixa lá...:p
E agora vou dar descanso à má-língua ;)
Q é sincera : )
Maria Vague, já te paguei a avença deste mês? :) Obrigada, um elogio vindo de ti sabe sempre particularmente bem. Um beijo.
hoje já o li com calma e adorei PARABENS
Obrigaaaaada!
cheguei agora e vou ver se ponho a casa em ordem, textos em evidência, etc.
Beijo grande, oh talentosa!
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