quinta-feira, janeiro 20, 2005

arrefecida

Fiquei só na terra do nunca. Olho as asas com que voei, caídas no chão. As máscaras sorridentes que descartei desbotadas pelos traços do tempo. Esse tempo que me gelou os pés e o corpo. Que me arrefeceu a liberdade e a fé. Demasiado tempo para o milagre que não acontece. Como não acontece a magia. E o arrepio da certeza deste engano tira-me o riso. Despe-me de alegria. Renego a minha inteligência e prolongo o meu estertor, cruzo os braços ao rumo implacável da vida. Com o vento deixo-me cair ao sabor da mentira, aguarelo o sofrimento quase à insensatez do pitoresco. E nesta pantomina sou a burla do que fui, a marioneta do acaso. E estendo o braço e dou a mão ao assassino que comete com doçura o suicídio que a cobardia me impede. E nem velo este corpo abandonado, de quem nem cobra os seus favores. Nem peço a redenção abençoada de ter a alma guardada lá no alto, que esse piedoso perdão só alberga sofrimento.

2 Comments:

Blogger vague said...

belo intenso. palavras para quê?

10:56 da tarde  
Blogger Bastet said...

Vague: As palavras servem tantas vezes para me dar alento para continuar a escrever. Obrigada.

11:59 da tarde  

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