segunda-feira, dezembro 20, 2004

o último vale

Trazia os pés molhados da chuva que com a terra se fizera em lama. Amassara-a com os passos até a fundir com as botas esboroadas e com as meias turcas. Andara até a terra secar e o cansaço doer no corpo. Então chegou ao último vale. Fronteira entre o sol e a tempestade. Entre o passado e o amanhã. O acaso dera-lhe Norte aos passos e a determinação resistência. E pelo caminho chegara a esquecer a razão do seu começo. Perdera a razão com o começo do fim. Achara o fim no início do desespero. Agora sabia ao que viera. Ao princípio do mundo. À descoberta do limiar da verdade na fonte da sabedoria. E ali poderia fazer três perguntas. E ali obteria com clarividência três respostas. Entre escolhas impossíveis formularia três. Apenas três perguntas para três respostas.
Acercou-se da linha vísivel que separava o real do imaginário. A terra do céu. O tempo da eternidade e com as mãos em concha gritou:
-De onde venho?
-Para onde vou?
-Quem é Deus?
E intimamente esperava ouvir: vens de mim, virás para mim porque eu sou o princípio e o fim.
Mas uma voz ressoou altiva: vieste de longe e chegaste onde querias.
Mas quem sois vós? - perguntou a receio.
Eu sou aquele que te dá as respostas - e um silêncio sepulcral caíu sobre o último vale.
Só no regresso entendeu que a que pusera no caminho era a razão daquelas respostas.

1 Comments:

Blogger Softy Susana said...

sempre surpreendente, bastet. Começo a sentir-me desconfortável por não encontrar as palavras certas para "abraçar" as tuas!
um beijinho e um Feliz Natal!

6:09 da tarde  

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