antevisão
Antevejo-me nestas palavras que estão por ser proferidas. Ao som do silêncio de quem espera na convicção do nada. Antevejo-me nesta noite entre sonhos e cobertores de nuvens, ansiosa. Antevejo-me nas minhas decisões adiadas, levando ao limiar do impossível a possibilidade desta existência, a força prestes a ser esgotada. Antevejo-me entre as bolhas de sabão do duche quente que tomarei pela noite já quase madrugada, quando as lágrimas forem enxutas na tua toalha e o sofá me convidar só a mim a completá-lo. Também nas horas lentas que me roubam à vida e no nó que antecipa a entrega ao mar salgado que corre solto pelas faces, envergonhada. E não me revejo nesta antevisão. Dou por mim a procurar-me. E na retrospectiva atropelam-se essas poucas imagens do teu corpo. Ali mesmo ainda ontem a sorrir-me. E depois falarei para mim e para o espaço das promessas quebradas. Das perguntas que não faço. Dos pedidos que não digo. E tento ser maior. Maior que a certeza da minha insuficiência. Maior que tu. Melhor que eu quando me sinto assim. E ouço uma ou outra música que sei de cor e acabo por ouvir aquela. Pelos acordes a dor fica maior quase transcendente e na janela procuro o ar que me falta e no escuro a luz de outra casa e na memória alguém que não quero mas que podia estar presente. E afasto a noite e o peso da manhã que promete ser igual e agarro a almofada que guardo no roupeiro em busca do teu cheiro e agarro o livro esquecido na página relida à força do esquecimento e percebo que as linhas de uma outra história não se repetem. E se acaso prometi não voltar a chamar-te, adormeço muito arrependida de quebrar essa promessa.
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