segunda-feira, outubro 18, 2004

uma centelha

A tristeza dera lugar à aceitação. O fardo de amar quase sozinha que suportara tão alegremente fora-lhe despojado. Lia na partida o seu regresso e aprendera a preencher esse espaço. Dera-lhe o código de compromissos que já não faziam sentido e guardara para si o livro da vida. E apesar do cansaço, ainda vislumbrava a centelha divina do amor pelo desconhecido. Viriam muitos para criticar o seu rumo mas poucos para lhe acompanharem os passos e as noites que não queria passar ali. Percebia que tinha tempo e coração em sobra. Mãos abertas a dar e a receber. E olhando as costas que se lhe voltavam, lamentava o silêncio daquele homem ao qual ele se remetia por fuga e arrependimento, mas essa era uma cruz que nunca fora sua e que só por amor quisera carregar.
Não ficou pois surpreendida quando realizou que estas haviam sido as últimas lágrimas que chorara. Tinham vindo num sopetão. Guardadas dentro de si, por detrás dos seus olhos, brotaram-lhe com o orgasmo, como explosão última da luta que travara. Eram as perguntas a que ficara sem resposta, as carícias pendentes de um amor pendente na reciprocidade. Eram a sentença de resignação. Também ela nada mais pediria. Reaprendia agora a amar assim. De forma mais incompleta ou apenas diferente. Nos espaços que ele lhe deixava floresceriam novos projectos e, sabe Deus a que custo, guardava residual uma centelha de esperança. Uma centelha da que se faz o amor verdadeiro e que ela tão plenamente conhecia.