abrir a porta
Aquela porta abria-se todas as manhãs para a deixar sair em direcção à praia. Quando o vento vinha do Norte, ouviam-se as vagas e sentia-se o cheiro salgado da maresia. Entre os intervalos das ondas, molhava os pés e recolhia as conchas que entrelaçaria pela noite em colares multicolores. Enfeitava a banca com panos transparentes que esvoaçavam alegremente entre os espanta-espíritos de búzios tintilantes. Já não se recordava como fora parar ali, àquela vida e àquela praia. Recordava-se vagamente da necessidade de fugir, de apanhar a pressa dos seus passos que a conduziriam a um outro lugar. Um mar de lágrimas fizera-a procurar o oceano e aos poucos a areia quente trouxera-lhe de novo o amor à terra. A subsistência fazia-se cumprindo as mais simples necessidades, deixando o tempo vago para o devaneio, para o calor e frio das estações sucessivas que agora, reparava, se anunciavam por sinais subtis como cheiros, flores e frutos diferentes. Nesta entrega, quase promessa, à simples vitalidade, compreendera o sem significado de outras vidas. A pressa que atropela a existência na busca de objectivos que, como bola de neve, criam necessidades, angústias e mais objectivos. Olhando o dia que nascera, era-lhe clarividente que esta era por certo a maior ambição, a serenidade de abrir quando queria a sua porta e sair livre para a praia.
3 Comments:
Quando se convencerá a humanidade da necessidade imperiosa de parar por instantes, olhar, observar, reflectir e considerar as mil e uma portas, fechadas, que tanto podem oferecer no seu interior. Quantas portas abertas nos podem conduzir à libertação. Belo texto. Um beijo e muita grata pela visita.
As fotografias são tuas! caso sejam, parabéns pela qualidade. Se não forem, parabéns pelo bom gosto.
há, as referencias literários do meu comentário só surgiram porque a ideia do eterno retorno é de nietshze e o livro "a insustentável leveza do ser" começa com uma reflexão sobre o assunto.
As fotografias não são minhas :( mas a escolha é!
Obrigada pelas visitas :)***
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