terça-feira, setembro 14, 2004

a passadeira mágica

Era uma vez uma menina que conseguiu uma passadeira mágica. Vamos ouvir:
Naquele lugar distante do mundo e das gentes pouco mais havia para fazer que sonhar. Ora o sonho, como se sabe, é tarefa difícil e arriscada. Exige método, imaginação e algumas cautelas essenciais. O principal risco quando se faz do sonho ocupação é não nos deixarmos prender e enlear a ponto de já não sabermos qual a fronteira entre a realidade e o imaginário.
Ali, em terra despovoada, era ainda mais fácil que em outro qualquer lugar a mistura de personagens curiosas que se passeavam a todo o instante espreitando sobre o ombro de Carolina. Ela, já muito habituada a estes acontecimentos, cumprimentava com cortesia todos os que se atravessavam no caminho enquanto cumpria as tarefas diárias. No carreiro que serpenteava até à entrada de casa, brincavam gnomos, fadas e até feiticeiros e príncipes. Acontecia simplesmente que por serem fruto de si própria eram todos eles simpáticos e cordatos pelo que dava gosto perder horas a falar-lhes e a conhecê-los.
Nem de outra forma poderia ser, pois então (!), porque Carolina desconhecia a existência do mal. E não dava sequer para contestar esta realidade, dizendo que isso da maldade nasce connosco, que é coisa própria do ser humano. Com Carolina não era nada assim! Com ela não nascera o mal, nem dele tivera até à data qualquer conhecimento.
Mas deixemos estes “entretantos” e expliquemos o porquê da passadeira que um dia se estendeu até à porta de sua casa.
Acontece que Carolina veio uma tarde a tropeçar numa figurinha curiosa que dizia ser alteza e que por ser da realeza jamais punha pé em terra suja. Acompanhava-a em todos os seus passos uma mágica passadeira vermelha.
Dizia esta alteza que outros da realeza mais real, por não serem tão cuidadosos andavam sobejas vezes de pé sujo de lama! Ora onde já se vira isto! Pés sujos de lama, que porcaria!!! Pois com ela jamais um grão de poeira lhe conspurcaria os sapatos de cristal ou mancha de lama se lhe colaria às finíssimas meias de vidro tecidas.
Carolina que também nada percebia de nascer alteza, nem de sapatos de cristal ou meias de vidro, agradou-se todavia da limpeza que parecia transparecer desta forma de andar sobre tapete mágico. Pés alvos que à noite se deitariam em cama lavada para adormecer nos sonhos onde não cabia o mal.
Com estas ideias andou muita atarefada dias e noites a fio. Até que certa manhã, entabulou conversa com um pequeno duende de gorro vermelho e resolveu confessar-lhe os seus desejos. Este duende do gorro vermelho, sabedor das coisas mundanas, achou de muito acerto a vontade de Carolina. Achou mesmo que era muito bonito andar de pés limpos, que era próprio de gente boa e de bem, coisa rara ao que dizia! Vendo tanto desejo na alma de Carolina, na alma limpa com que nascera como quem nasce realmente real, está-se mesmo a ver o aconteceu...
Com mágicas artes, ainda o primeiro bocejo de Carolina se transformava em ai de espanto e maravilha e já se via estendida a magnífica e fofa passadeira vermelha que a acompanharia para todo o sempre nos seus passos.