terça-feira, setembro 28, 2004

no reino dos flamingos


Reunidos em assembleia geral discutiam os assuntos da comunidade. Cada qual, no seu ar elegante e equilibrado, inspirava altivez e poder. A escolha dos eleitos estava à porta, ou melhor, ao tempo razoável de distância que possibilitava a animada discussão sobre a distribuição de cargos. Entre golpes palacianos, decidia-se da ascensão e queda dos circundantes. Cuidavam os desatentos e adormecidos que ali se tratava com elevação de filosofias, democracias, ideologias e quanto muito de algumas demagogias. Sabiam os demais que não era assim. A qualidade das águas do lago continuava deplorável. A outrora transparência que animara a migração para aquelas paragens há muito desaparecera. O líder apelava à serenidade. Nada como a serenidade para a saudável manutenção do estado actual que, dizia, ao menos era preferível ao que de pior pudesse vir.
Entre os desatentos, andavam os líricos. Olhavam-nos com graça e complacência porque animavam algumas tardes mais monótonas e emprestavam um colorido especial, pitoresco, ao grupo decisor. Todavia, entre esses líricos, havia por vezes os que questionavam demais, perguntavam demais e nem sequer se entendia ao que andavam...
Quando assim era, juntavam-se todos em torno do mesmo propósito, a bem da dita serenidade chamavam-nos à razão, sim porque existia uma razão comum: a redistribuição entre os mesmos do poder. O pior é que os pobres coitados às vezes não percebiam ou pareciam querer perceber da nobreza do que ali se discutia. Normalmente, tudo se resolvia com uma bicadela nas penas ou com a honra de poderem ter acesso a privar com a cúpula e, quando assim era, tudo estava resolvido. Se acaso insistiam, irredutíveis, nas suas tontas quimeras, eram excluídos da migração que se avizinhava e condenados a errarem sós por lagos menores sem a protecção que vinha da coesão do grupo.
Esta era pois a altura certa. O momento de se calarem os bicos aos chatos e de se prometerem mais altos vôos aos demais. Quando chegasse a próxima estação, elevar-se-iam sempre elegantes pelos ares.

1 Comments:

Blogger Asulado said...

Ex-ce-len-te-!

4:38 da tarde  

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