segunda-feira, setembro 06, 2004

hoje venho no jornal

A multidão rodeava o seu corpo, efectuando prognósticos e avaliações sobre o seu estado. A ela, pareciam-lhe abutres vorazes que transgrediam o seu espaço vital. Deixava-se estar caída porque lhe faltavam as forças para fugir. De resto, fugir para quê? Para onde? A sua vida desenrolava-se como um fio de um novelo de lã, impossibilitando a perfeição dos arremates. Só ela conhecia o que ali a levara, os nós sobre nós na meada dos dias, os apelos inúteis que ninguém parecera ouvir. Como sempre na história da humanidade, falar-se-ia agora do irreversível, do que poderia ter sido mas não foi.
O metro estava parado há já mais de meia hora e o seu corpo na linha parecia irritar os apressados. Curioso como nunca antes irritara ninguém com a sua presença ou sequer com a sua ausência. Todas as manhãs no cais de embarque daquela mesma estação de metro, apanhava o transporte das sete horas e dez minutos que a despejaria no seu destino passados cerca de quinze minutos. Recordava a cara dos colegas lá do emprego e perguntava-se se hoje dariam pela sua falta. Talvez a outra, aquela que parecia dar por tudo e por todos. Que história se contaria depois de hoje? A caminho do hospital, amarrada à maca mais do que à vida, adivinhava a notícia do jornal diário: Mulher tenta o suicídio na linha do metro - Pelo menos hoje -pensou- venho no jornal.