domingo, julho 18, 2004

tempo de espera

Com as primeiras chuvas, vieram os primeiros cobradores. Foi inútil dizer-lhes que agora era o tempo de espera, o tempo em que a terra saciada daria, finalmente agradecida, os seus frutos. Levaram a carripana de ir à feira aos Domingos, as pratas da tia Micaela, as imagens sagradas cheias de resina pelas rezas e promessas alumiadas. Mas não levaram tudo, ficaram as paredes  da casa, enfeitadas de quadros sem valor, os móveis toscos talhados em noites de Inverno, a cama grande de matrimónio, as enxergas dos miúdos, Asdrúbal, o burro velho, Casimira, a vaca leiteira, dois porcos cor de rosa, as galinhas poedeiras e, é claro, o Barrica, cão fiel já para mais de seis anos. Foram-se como haviam chegado, sem palavras ou cortesia. Escolhiam e levavam numa apatia desinteressada, sem saberem as histórias de cada coisa, nem sequer as "manhas" do seu mister, a troco da paciência e do conhecimento que vem da muita convivência.
Ao jantar, sentados à volta da mesa sem preço, a família conferenciou, deu ideias, ofereceu coragens e reforços. Micas iria à feira a pé e voltaria sabe Deus como. Mas a vender o quê? Desânimos sucediam as esperanças. À cabeceira, Juvenal estava calado. Não abrira a boca para sentenciar. Estava mais velho que ontem, quando caíra do céu a chuva milagreira. Pensava em todos, neles, nos animais, no Barrica que, deitado aos seus pés, também confiava no destino que ditasse. E que destino no seu sentenciar?Foi no fim, quando já todos tinham nos olhos a tristeza, que Juvenal anunciou: Vamos vender promessas! Que era isso de vender promessas? Quando no Domingo Micas se fez ao caminho, Juvenal ia com ela. Sacos vazios, coração cheio e papéis muitos papéis enfeitados. Cada um tinha uma promessa, promessas de trigo e batata, de maçãs e rabanetes... Promessas do tempo em que a espera daria os frutos.

2 Comments:

Blogger Zumbido said...

Zero comments! De facto não se consegue dizer nada depois disto... Fica só esta curiosidade angustiada de perceber de onde vêm estas histórias. Ou o que as despoleta. Ou o que as provoca.
Bom... não há angústia nenhuma... talvez eu saiba... talvez chegue não saber...
Sei que assim, sim, vale a pena...

9:40 da tarde  
Blogger Bastet said...

Ora nada que eu não explique com um hamburguer na mão! :)

12:33 da manhã  

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