sexta-feira, julho 16, 2004

quando morre uma sereia


Tão sublime e leve, transparente que ao toque se dilui no céu que a recolhe, certo deste acolhimento como de outro algum, jamais. Asas de pássaro viajante, migratório. Vôo singular, errante. Perspectiva única, elevada sobre o mar que ainda ampara o que perdeu. Criatura dessas águas, dessas conchas que enfeitavam e cobriam a nudez exigente. Ave e sereia, agora e antes, vida e morte, linha, traço comum, cheio, completo.
Sem pertences, alma apenas e ainda dividida no olhar perdido a este mundo conhecido e ao outro que descobre. Sem saudade porque cumprido o destino, apartou-se com o corpo abandonado, à vela dos choram porque ficam. Uma vaga que toca, alta, instantes o firmamento, devolve finalmente o que nunca foi seu. Que nunca é deste mundo, nem do mar, nem da terra o transitório. Efémero, férias de vida em estância balnear. Em tempo de morte, renova-se o mistério das perguntas a que sempre soubemos responder. No tempo de entrega do que por instantes partilhámos, fechamos, circular, as idades da sereia prometida.