quinta-feira, julho 15, 2004

outra metade


De madrugada fizera-se ao caminho. No silêncio da relva molhada entrecortavam-se conversas de pássaros e insectos. Antes que escaldasse a manhã feita e madura rasgara pela fresca o seu propósito. Há muito que embalava a decisão, pesando-lhe prós e contras, alturas e momentos. Agora, como se fosse de repente, caminhava pela estrada única que se desenhava à sua porta. Essa estrada que desfiara sempre a metade, convidava-lhe ao conhecimento. Chegara a pensar que todas as estradas eram uma só, que se encaracolavam como os desenhos de criança em que uma personagem encontrava no labirinto a sua saída para um presente qualquer. Até à data, cingira-se à sua metade. A meia vida, a meio nada, a meio caminho, a meia vontade. Estava mesmo dividido ao meio. Como se em si próprio se atravessasse um paralelo qualquer. Metade que vai, metade que fica. Desse traço criaram-se hemisférios, conflitos de fronteiras e propriedades. Metade coração, metade razão. Ainda agora que tomara o caminho, já metade se lhe regressava com saudade e outra se sobressaltava para lá diante. Metade dos seus dias dera-os ao passado era justo que votasse os outros ao futuro.
Por esta razão, de fusão e justiça de metades, reunira-se para partir. Ainda o calor não afastara a neblina quando pisou firme outro caminho.

3 Comments:

Blogger forass said...

Gostei bastante!

3:58 da tarde  
Blogger Zumbido said...

Gostava de poder olhar para estes textos e assumir que tinha passado um ano e, portanto, como é próprio dos 'blogs', tinha passado o seu tempo e a sua oportunidade. Mas esta coisa toca cá dentro e, para além do como está escrito, há o que está escrito e o nó de enredo que se dá no estômago ao sentir as metades em que nos vamos dividindo para seguir em frente. Como se a genética da divisão celular se continuasse no pensamento...

9:17 da tarde  
Blogger Bastet said...

Só tu para me fazeres voltar atrás! O tempo baralha-se a ganha outra dimensão :)*

12:29 da manhã  

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