quarta-feira, julho 21, 2004

não basta ter asas para voar

Ícaro estava frustrado. Era com esta a terceira vez que se atirava do parapeito e, tirando as óbvias equimoses e o celofane inutilizado das asas azul petróleo, nada restara que fosse digno de registo. Já a Primavera passada, influenciado pelo cheiro adocicado do pólen, se jogara da ponte vermelha ao mar. Ficara então duvidoso sobre a adjectivação do seu salto: fora um voo ou um mergulho? Tivera tempo para pensar sobre esta questão durante o internamento hospitalar a que fora sujeito. Após os cuidados básicos para a hipotermia decidiram que destino lhe dar. E, tirando a comida que era de facto muito má e pouco adequada a um pássaro humano, nada tinha a reclamar do hospital psiquiátrico. Recolheu ali, de resto, algumas opiniões muito válidas que o haviam incentivado a esta nova tentativa – Tinha sido de facto um voo.
Um ano de dieta adequada, vitaminas e alpiste, tornaram-no mais leve e preparado para o rasgar dos céus. Refizera as cintas que amarravam ao seu dorso magro as asas esplêndidas e ainda, porque a parte visual não era de descurar, uma coroa de plumas multicolor . Embuído de coragem e espírito voador, fez-se ao espaço aberto. Ainda mal tocara no chão quando ouviu as proclamas:
Era a drag queen do ano!