sexta-feira, julho 16, 2004

com olhos de jornal


Nos olhos de Maria lia-se como num livro. Frases redondas, a transbordar de notícias. Frases curtas, magoadas, aliterações de choro guardado. Quando assim era, havia água por detrás dos seus olhos, inundando o seu corpo por dentro, como ribeirinho crescido pelas chuvas. Nas demais, lia-se sobre o sol vermelho dos tempos de menina, viam-se-lhe os caminhos de coral e peixinhos e até, bem mais de perto, se ouviam as vozes do coração. Maria, dava-se a ler pelos olhos, como outros pelas palavras. Dessas, Maria fazia brinquedo, verdades e mentiras bonitas, postas em verso, como flores no vaso, quando lhe calhava a rima.
Maria, ajeitava-se como os seus olhos, de muitas cores, quando neles as cores se liam. Diluída, quase transparente, quando a manhã vinha mais limpa e lhe punha o verde na íris. Andava, como nos olhos se liam as estradas. Firme de brilhos ou ausente na marcha incerta...
Era assim que se lia Maria, feita de contos desgarrados, de olhos de jornal.
No dia de anteontem, Maria trazia os olhos fechados. Cerrara-se ao mundo, por dor maior. Não havia modos de os abrir, em medo que lhe transbordassem. Nem palavra doce que amelasse de avelã os suspiros. À porta de sua casa morava despeito. Cansada de morar em casa mal assombrada, Maria fechou os olhos e afogou-se por dentro.
Deram com ela pela manhã de olhos já refeitos. Molhadas pela tempestade, já se viam rimas diferentes. Voltara-se a ler nos olhos de Maria.

1 Comments:

Blogger forass said...

É a parte do corpo que mais adoro!

4:05 da tarde  

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